sexta-feira, 10 de março de 2023

Moda reaça | Março de 2014

Aproveitando essa onda reaça que tá supermegatendência, a gente está lançando toda uma coleção pra você, jovem reacionário, que quer gastar o dinheiro que herdou honestamente na nossa sociedade tão meritocrática — tirando os impostos, é claro. Pode guardar a camiseta fedida do Che Guevara e raspar essa barba de Fidel. A moda guerrilheira é muito 2002. Quem tá com tudo neste outono é o jovem reaça. A moda é cíclica, gatinhos! Nesta estação, vamos aproveitar o aniversário da revolução democrática e tirar do armário a fardinha verde-oliva do vovô. E o melhor: não precisa nem limpar as manchas de sangue. Superorna.
O último grito do outono fascistão é defender os valores tradicionais e ressuscitar velhos chavões: direitos humanos para humanos direitos, bandido bom é bandido morto, Deus não fez Adão e Ivo. Nossa coleção — que será lançada amanhã, no prédio do DOI-Codi — foi feita pensando em você, cidadão de bem, branco, católico, heterossexual, rico, com as pernas no lugar, funcionando direitinho. Você é o homem da minha coleção. Olha só este soco inglês: é a sua cara. Vestiu bem, homem da minha coleção. Combina com sua correntinha.
O homem da minha coleção anda armado e se algum veado vier dar em cima ele diz que atira na testa. O homem da minha coleção transa com travesti mas se arrepende logo em seguida e enche a bicha de porrada. O homem da minha coleção casou na igreja com a mulher da minha coleção num casamento celebrado pelo padre da minha coleção, homofóbico, racista e com um sotaque ininteligível, apesar de nunca ter saído do Brasil.
A mulher da minha coleção critica periguetes porque elas não se dão valor — chama isso de feminismo. Saia curta, nem pensar. “Depois reclama quando é estuprada…” A mulher da minha coleção acha que mulher gorda devia evitar sair de casa. “Ninguém é obrigado a ver gente obesa.” A mulher da minha coleção finge que não sabe que é traída pelo homem da minha coleção e se vinga estourando o limite do cartão de crédito do homem da minha coleção, que por sua vez finge que não sabe e se vinga saindo com outras mulheres da minha coleção.
Nosso it boy, claro, é o coronel Paulo Malhães, torturador chiquetésimo que deu depoimento à Comissão da Verdade usando uns puta óculos escuros Prada de aro dourado e assumiu ter perdido a conta de quantos cadáveres ocultou. Divo. Viva a revolução — democrática.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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