[…]
Ficou
sentada, ouvindo o silêncio. Um pardal trilou.
Pensou:
vou dar uma olhada naquele poema provençal de Pound; isso, afinal,
não se pode chamar de trabalho.
Em
cima da mesa havia pilhas de livros de referência, pastas de
recortes e, de um dos lados, estantes que subiam até o teto. O livro
estava aberto, ao lado do computador.
Envelhecer
com graça… é só seguir os marcos do caminho. Pode-se dizer que
as instruções estão contidas num roteiro invisível que pouco a
pouco vai se tornando legível, à medida que a vida o vai expondo.
Então, é só dizer as palavras adequadas. No fim das contas os
velhos não se dão mal. O orgulho é uma grande coisa, e as atitudes
e estoicismos necessários vêm fáceis, porque os jovens não sabem
— isso lhes é ocultado — que a carne murcha em torno de um cerne
imutável. Os velhos compartilham ironias próprias a fantasmas num
festim, em que um enxerga o outro, invisíveis para os outros
convidados, cujas posturas e expressões observam, sorrindo,
recordando.
A
maioria das pessoas em vias de envelhecimento assinaria embaixo desse
conjunto de frases plácidas, cheias de autorrespeito, sentindo-se
bem representada e até mesmo defendida por elas.
É,
concordo com isso, pensou Sarah. Sarah Durham. Um nome bem sensato
para uma mulher sensata.
O
livro onde encontrou essas frases fora comprado na banca de uma feira
ao ar livre, memórias de uma moça da sociedade antes famosa pela
beleza, escrito em sua velhice e publicado quando a autora era quase
centenária, vinte anos atrás. Estranho ter escolhido esse livro,
pensou Sarah. Houve tempo em que nem abriria um livro escrito por um
velho: nada a ver com ela, pensaria. Mas existe algo mais estranho do
que o modo como os livros que refletem nossa condição ou estágio
da vida acabam se insinuando em nossas mãos?
Afastou
o livro, pensou que os versos de Pound podiam ficar para depois, e
resolveu gozar uma noite em que nada se devia esperar de sua parte.
Uma noite de abril, o céu ainda claro. Aquela sala era calma,
geralmente calmante e, assim como os três outros cômodos do
apartamento, guardava trinta anos de memórias. Salas onde se viveu
muito tempo acabam parecendo praias sujas: difícil saber de onde
veio este ou aquele caco.
Doris Lessing, in Amor, de novo
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