segunda-feira, 20 de março de 2023

1492 – Guanahaní

Colombo

Cai de joelhos, chora, beija o solo. Avança, tremendo, porque leva mais de um mês dormindo pouco ou nada, e a golpes de espada derruba uns arbustos.
Depois, ergue o estandarte. De joelhos, os olhos no chão, pronuncia três vezes os nomes de Isabel e Fernando. Ao seu lado, a escrivão Rodrigo de Escobedo, homem de letra lenta, levanta a ata.
Tudo pertence, desde hoje, a esses reis distantes: o mar de corais, as areias, os rochedos verdíssimos de musgo, os bosques, os papagaios e esses homens de barro que não conhecem ainda a roupa, a culpa nem o dinheiro e que contemplam, atordoados, a cena.
Luis de Torres traduz para hebraico as perguntas de Cristóvão Colombo:
Conheceis o Reino de Gran Kahn? De onde vem o ouro que levais pendurado nos narizes e orelhas?
Os homens nus olham para ele, boquiabertos, e o intérprete resolve tentar com o idioma caldeu, que conhece um pouco:
Ouro? Templos? Palácios? Rei dos reis? Ouro?
E depois tenta em árabe, o pouco que sabe:
Japão? China? Ouro?
O intérprete se desculpa frente a Colombo na língua de Castilha. Colombo amaldiçoa em genovês, e joga no chão as cartas-credenciais, escritas em latim e dirigidas ao Gran Kahn. Os homens nus assistem à cólera do forasteiro de cabelos vermelhos e pele crua, que veste capa de veludo e roupas de muita aparência.
Em seguida, correrá a voz pelas ilhas:
Venham ver os homens que chegaram do céu! Tragam-lhes para comer e beber!

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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