Leitura de Bernhard Kellermann: “alguns textos inéditos de minha própria lavra”, começou ele. Aparentemente, uma pessoa amável, cabelos em pé quase brancos, barba escanhoada com esmero, nariz pontiagudo, a carne das maçãs do rosto muitas vezes avança como uma onda sobre os ossos malares, subindo e descendo. É um escritor mediano, tem boas passagens (um homem sai para o corredor, tosse e olha em torno, para ver se não tem alguém ali), além de um homem honrado que quer ler o que prometeu mas o público não deixou; assustadas com o primeiro conto, sobre um manicômio, ou entediadas com seu modo de ler, as pessoas foram saindo, mas uma a uma, a despeito dos momentos ruins de suspense, e com um afã como se outra leitura estivesse acontecendo na sala ao lado. Quando, então, depois de lido cerca de um terço da história, ele parou para tomar um gole d'água, um bocado de gente foi-se embora. Ele se assustou. “Já estou terminando”, mentiu. Quando terminou de fato, todos se levantaram e houve algum aplauso, que soou como se, no meio de toda aquela multidão de pé, alguém tivesse permanecido sentado e aplaudisse sozinho. Kellermann, porém, queria ler ainda outra história, talvez várias. Ante a debandada, apenas abriu a boca. Por fim, aconselhado, disse: “Eu gostaria muito de ler uma pequena fábula, são só quinze minutos. Vou fazer um intervalo de cinco minutos”. Alguns ainda ficaram, e ele leu um conto com passagens que dariam a qualquer um o direito de, partindo do ponto mais distante da sala, atravessá-la por cima dos ouvintes e ir-se embora correndo.
Franz Kafka, in Diários: 1909-1923
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