De
volta à insanidade, de volta ao lugar da devastação.
Na
minha quarta vida, Franklin Phearson foi ao hospital para interromper
o uso de uma série de medicamentos, não para o meu bem, mas para o
dele. Era dele a voz que pairava sobre mim e dizia, enquanto eu
estava deitado, imóvel, na cama do hospital:
— O
que vocês têm dado a este homem? Vocês disseram que ele ficaria
lúcido.
Era
dele a mão que firmava a maca enquanto me passavam pela porta da
frente e me colocavam na ambulância não identificada que me
aguardava lá fora.
Eram
dele as solas duras nos sapatos de couro que ressoavam nos degraus de
mármore do grande hotel, vazio pela baixa temporada, os funcionários
mandados para casa, e onde me depositaram numa cama de plumas coberta
com uma manta bordô, para sonhar e vomitar até atingir algum tipo
de salvação.
Interromper
qualquer droga é desagradável; com antipsicóticos, então, é uma
bênção, às vezes boa, às vezes ruim. Com certeza eu desejei a
morte, e eles me amarraram para evitar um suicídio. Com certeza eu
sabia que tudo estava perdido e eu estava nesse meio, eu sabia que
estava amaldiçoado e que não havia para onde fugir, e ansiava por
perder a cabeça completamente, arrancar os olhos e enlouquecer de
vez. E com certeza eu não me lembro, mesmo agora, mesmo com a minha
memória, dos piores momentos, mas me lembro deles como se tivessem
acontecido com outro homem. E com certeza eu sei que tenho a
capacidade de voltar a ser tudo aquilo, de sentir tudo de novo, e sei
que, embora a porta esteja trancada agora, existe um poço negro sem
fundo nas entranhas da minha alma. Dizem que a mente não consegue se
lembrar da dor; mas eu digo que isso pouco importa, pois, mesmo que a
sensação física se perca, a lembrança do terror que a acompanha é
perfeita. Não quero morrer neste momento, mas as circunstâncias
desta escrita vão ditar meu caminho. Eu me lembro de ter querido
morrer, e que o sentimento foi real.
Não
houve um momento de lucidez, um momento em que acordei da escuridão
e me vi curado naquele lugar. Em vez disso, foi um arrastar de pés
lento rumo à compreensão, algumas poucas horas de conciliação
seguidas de sono, seguidas de um despertar que permanecia desperto
por um pouco mais de tempo. Aos poucos fui recuperando a dignidade
humana: roupas limpas, minhas mãos enfim livres, as cicatrizes em
volta dos meus pulsos e tornozelos limpas de sangue ressecado. Recebi
permissão para me alimentar sozinho, primeiro na cama e sob
supervisão, depois na janela e sob supervisão, depois no andar
inferior e sob supervisão, e por fim no pátio do outro lado de um
campo de croqué e de frente para um jardim verde bem-cuidado, onde o
supervisor tentava fingir que era apenas um amigo. Recebi permissão
para fazer a higiene no banheiro, mas sem objetos pontiagudos no
cômodo e com guardas do lado de fora, mas eu não me importava e me
sentava debaixo do chuveiro até que a pele parecesse uma uva-passa e
o aquecedor no andar de cima começasse a tremer em agonia. Uma barba
desgrenhada começara a crescer em meu queixo, e chamaram um barbeiro
que estalava a língua, fazia movimentos bruscos, borrifava óleos
italianos e disse num tom de voz estridente, usado para falar com
crianças,
— Seu
rosto é sua riqueza! Não gaste tudo de uma vez!
Franklin
Phearson estivera discretamente presente durante todo o processo, e
por seu ar de indiferença só me restava imaginar que estivesse no
comando. Sentou-se a duas mesas de distância enquanto eu comia,
estava perto do fim do corredor quando deixei o banheiro e, concluí,
era o responsável pelo espelho bidirecional no meu quarto, que
permitia uma visão ininterrupta do cômodo e só se revelava quando
as câmeras de segurança ajustavam o foco e emitiam um leve zumbido.
Então,
durante um café da manhã, ele se sentou comigo, não mais distante,
e disse,
— Você
parece bem melhor.
Bebi
o chá com cuidado, do mesmo jeito que bebia tudo o mais que me
serviam naquele lugar, dando pequenos goles para ver se detectava
toxinas, e respondi:
— Estou
me sentindo bem melhor. Obrigado.
— Talvez
você se alegre em saber que o doutor Abel foi demitido.
Ele
disse isso de forma tão casual, com o jornal no colo, os olhos
percorrendo as pistas das palavras-cruzadas, que eu não entendi
exatamente o que ele acabara de contar. Mas ele havia falado, e eu
disse outra vez, como o mesmo tom neutro que eu usara quando criança
com meu pai,
— Obrigado.
— Eu
bato palmas para as intenções do doutor Abel, mas os métodos dele
eram insanos. Gostaria de ver sua esposa?
Contei
mentalmente até dez antes de me atrever a responder.
— Sim.
Muito.
— Ela
está consternada. Não sabe do seu paradeiro, acha que fugiu. Pode
escrever para ela. Para tranquilizá-la.
— Seria
bom.
— Ela
vai receber uma compensação financeira. Talvez haja um julgamento
para o doutor Abel. Talvez uma petição, quem sabe?
— Só
quero revê-la.
— Em
breve. Nosso objetivo é tomar o mínimo do seu tempo.
— Quem
é você?
Ao
ouvir minha pergunta, ele jogou o jornal de lado com um impulso
repentino, como se estivesse se contendo ao esperar essa pergunta.
— Franklin
Phearson, senhor — respondeu, estendendo a mão lisa e rosada. —
É uma honra finalmente conhecê-lo, doutor August.
Olhei
para a mão, mas não a apertei. Phearson a recuou com um leve abano,
como se sua intenção nunca tivesse sido estendê-la, e, sim, fazer
um exercício de relaxamento muscular. Ele pegou o jornal e o abriu
nas notícias da região, que prometiam greve. Deslizei a colher na
superfície do cereal e observei o leite se agitar no fundo.
— Então,
você sabe o futuro — continuou ele por fim.
Com
cuidado, pousei a colher no lado da tigela, limpei os lábios, cruzei
as mãos e me recostei na cadeira.
Ele
olhava fixo para o jornal, e não para mim.
— Não.
Foi um surto psicótico.
— Que
surto.
— Eu
estava doente. Preciso de ajuda.
— É
— entoou, folheando as páginas do jornal com força, mexendo o
pulso de repente. — Isso é bo-ba-gem.
Ele
gostou tanto de dizer a palavra que esboçou uma tentativa de sorriso
nos cantos da boca, e pareceu pensar em repeti-la só para saborear a
experiência.
— Quem
é você?
— Franklin
Pearson, senhor. Já disse.
— E
está aqui em nome de quem?
— Não
posso estar aqui em meu próprio nome?
— Mas
não está.
— Estou
aqui em nome de algumas agências, organizações, nações,
partidos... como preferir chamar. Os mocinhos, basicamente. E você
quer ajudar os mocinhos, não quer?
— E
como ajudaria, se pudesse?
— Como
eu disse, doutor August, o senhor sabe o futuro.
Um
silêncio passou roçando entre nós como uma teia de aranha numa
casa sombria. Ele parou de fingir que estava lendo o jornal, e eu
passei a estudar seu rosto descaradamente.
— Há
algumas questões óbvias que eu preciso perguntar — comentei, por
fim. — Suspeito que já sei as respostas, mas, já que estamos
sendo tão francos um com o outro...
— É
claro. Nosso relacionamento deve se basear na honestidade.
— Se
eu tentasse ir embora, teria permissão?
Phearson
sorriu.
— Bem,
é uma pergunta interessante. Permita que eu responda com outra
pergunta: se você quisesse ir embora, para onde acha que poderia ir?
Passei
a língua no interior da boca e senti cicatrizes que estavam fechando
e cortes recém-abertos na parte interna da bochecha e nos lábios.
Então:
— Se
eu tivesse esse conhecimento, e eu não tenho, que uso você faria
dele?
— Isso
depende do que seja. Se você me disser que o Ocidente vai sair
vitorioso deste conflito, que o bem vence e o mal tomba sob a espada
do justo, então, porra, vou ser o primeiro a lhe pagar uma garrafa
de champanhe e um banquete na brasserie que preferir. Mas se você
souber as datas de massacres, de guerras e batalhas, de assassinatos
e crimes, bem, senhor, não vou mentir, talvez a gente precise
conversar um pouco mais.
— Você
parece muito disposto a acreditar que eu sei alguma coisa do futuro,
embora todos, incluindo a minha esposa, acreditem que tudo não passa
de um delírio.
Ele
suspirou, dobrou o jornal e o pôs de lado, como se tivesse desistido
de fingir.
— Doutor
August, deixe-me perguntar uma coisa, já que estamos nesse espírito
de uma conversa livre e franca — retrucou ele, inclinando-se na
mesa, com as mãos cruzadas sob o queixo. — Em alguma das suas
viagens, das suas muitas, muitas viagens, você já ouviu falar em
Clube Cronus?
— Não
— respondi sinceramente. — Nunca ouvi. O que é?
— Um
mito. Uma dessas bizarras notas de rodapé acadêmicas que vão ao
fim de um texto para animar uma passagem especialmente chata, um
conto de fadas do tipo “por acaso, alguns dizem isso, mas não é
esquisito?”, enfiado em letras minúsculas no fim de um tomo nunca
lido.
— E
o que dizem essas letras minúsculas?
— Dizem...
— respondeu ele, bufando com a resignação típica de quem está
cansado de contar histórias. — Dizem que há certas pessoas
vivendo entre nós que não morrem. Dizem que elas nascem, vivem,
morrem e voltam a viver a mesma vida, mil vezes. E, sendo
infinitamente velhas e sábias, elas se reúnem às vezes, ninguém
sabe onde, e fazem... Bem, o que eles fazem varia de acordo com o
texto. Alguns dizem que eles se vestem com túnicas brancas e se
encontram para reuniões conspiratórias, outros dizem que fazem
orgias para criar a geração seguinte de pessoas desse tipo. Não
acredito nessas hipóteses, porque o Klu Klux Klan prejudicou a moda
da túnica branca no Sul, e porque todo mundo aposta nas orgias.
— E
isso é o Clube Cronus?
— Sim,
senhor — respondeu Phearson, radiante. — Como os Illuminati sem o
glamour, ou os maçons sem as abotoaduras, uma sociedade que se
autoperpetua através do tempo para o infinito e o atemporal.
Precisei investigar isso porque alguém disse que os russos faziam
parte, e pelo que descobri é uma fantasia criada por alguém bem
entediado, mas então... então aparece alguém como você, doutor
August, e joga todo o meu trabalho no lixo.
— E
você acha que pode ser verdade só porque os meus delírios são
iguais à história que uma velha contou?
— Meu
Deus, não! De jeito nenhum! Acho que é verdade porque os seus
delírios correspondem à realidade. Então — disse ele, insinuando
um leve sorriso ao se acomodar na cadeira —, cá estamos.
Tempo
não é sabedoria; sabedoria não é inteligência. Ainda sou capaz
de me sentir oprimido; Phearson me oprimia.
— Posso
ter um tempo para pensar a respeito? — perguntei.
— Claro.
Pense nisso com a cabeça no travesseiro, doutor August. Responda
amanhã de manhã. Você joga croqué?
— Não.
— Lá
fora tem um campo lindo, se quiser aprender.
Claire North, in As primeiras quinze vidas de Harry August
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