sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Os sonhos de Leopoldina


Desde o nascimento de Leopoldina na família Yapurra, as mulheres ganhavam nomes que começam com L, e eu, por ser tão pequeno, era chamado de Garotinho.
Ludovica e Leonor, que eram as mais novas, buscavam por um milagre junto ao riacho, todas as tardes, ao cair do sol. Íamos à encosta chamada Agua de la Salvia. Deixávamos os garrafões perto da água e nos sentávamos em uma pedra, esperando com olhos muito abertos a chegada da noite. Todas as conversas levavam ao mesmo tema.
Juan Mamanís vai estar em Catamarca — dizia Ludovica.
Ai! Que bicicleta mais lindinha ele carregava! Todos os anos ele visita a Nossa Senhora do Vale.
Você faria uma promessa assim, de ir a pé, como Javiera?
Meus pés são muito delicados para isso.
Se tivéssemos uma santa como essa!
Juan Mamanís não iria a Catamarca.
Não dou a mínima. O que me aflige é a santa.
Eu nunca parava quieto; elas conheciam meu costume. “Garotinho, largue isso”, me dizia Ludovica, “as aranhas são venenosas”, ou “Garotinho, não faça isso. Não se faz xixi na água”.
Alguém havia lhes dito, talvez a curandeira, que a essa hora brilhava uma luz em uma fenda entre as pedras e que uma sombra aparecia na beirinha do riacho.
Um dia a encontraremos — dizia Leonor. — Há de se parecer com a Nossa Senhora do Vale.
Pode ser que seja um espírito — respondia Ludovica. — Eu não me iludo — e ao colocar os pés no riacho ela espirrava água em meus olhos e em minhas orelhas. Eu tremia. — O que você vai fazer, Garotinho, quando a neve começar a cair, quando todas as árvores e o chão estiverem brancos? Não vai sair de perto da lareira, hein? Se até a água morna faz você tiritar como uma estrela.
Se descobrirmos uma nova santa, sairemos nos jornais. Vão dizer assim: “Duas meninas em Chaquibil viram a aparição de uma nova Nossa Senhora. As altas autoridades irão presenciar o ato”. Uma gruta iluminada será feita para a estátua, e depois será construída a basílica. Posso imaginar direitinho a Nossa Senhora de Chaquibil: morena, com um vestido escarlate, espelhinhos e um manto azul, com a bainha dourada.
Eu já me contentaria se ela tivesse uma saia como a nossa e um lenço na cabeça, contanto que ela nos desse presentes.
As santas não dão coisas de presente nem se vestem como a gente.
Você sempre quer ter razão.
Quando tenho razão, tenho razão.
Para concordar com você, a gente não pode nem ter opinião própria — comentava Leonor enquanto afagava minha cabeça.
A noite caiu bruscamente, com cheiro de menta e de chuva.
Ludovica e Leonor encheram os garrafões, beberam água e voltaram para casa. No caminho, pararam para conversar com um velho que carregava uma bolsa. Falaram do milagre esperado. Disseram que de noite ouviam o chamado daquela aparição. O velhinho respondeu:
Deve ser a raposa cantando. Para que procurar milagres fora de casa, quando vocês têm Leopoldina, que faz milagres com os sonhos?
Ludovica e Leonor ficaram pensando se aquilo era verdade.
Na cozinha, em uma cadeirinha de vime com um respaldo altíssimo, Leopoldina estava sentada, fumando. Era tão velha que parecia uma garatuja; não dava para ver nem seus olhos nem a boca. Cheirava a terra, a erva, a folha seca; não a gente. Feito um barômetro, anunciava as tempestades ou o bom tempo; mesmo antes de mim, ela sentia o cheiro da onça-parda que descia a montanha para comer os cabritinhos ou torcer o pescoço dos potrinhos. Embora não saísse de casa havia trinta anos, sabia, como os pássaros sabem, em qual vale, junto a qual riacho, estavam as nozes, os figos, os pêssegos maduros; até mesmo o passarinho saci, com seu canto desolado, que é arisco como a raposa, desceu certo dia para comer em sua mão migalhas de biscoito banhadas em leite, certamente achando que ela era um arbusto.
Leopoldina sonhava, sentada na cadeirinha de vime. Às vezes, ao acordar, sobre sua saia ou ao pé da cadeirinha, ela encontrava os objetos que apareciam em seus sonhos; mas os sonhos eram tão modestos, tão pobres — sonhos de espinhos, sonhos de pedras, sonhos de gravetos, sonhos de pluminhas —, que ninguém se espantava com o milagre.
O que sonhou, Leopoldina? — perguntou Leonor naquela noite, ao entrar em casa.
Sonhei que caminhava por um riacho seco, juntando pedrinhas redondas. Aqui está uma — disse Leopoldina, com voz de flauta.
E como conseguiu a pedrinha?
Olhando para ela, só isso — respondeu.
Junto à encosta, Leonor e Ludovica não esperaram, como nas outras tardes, a chegada da noite, na esperança de assistir a um milagre. Voltaram para casa com o passo apressado.
Com o que sonhou, Leopoldina? — perguntou Ludovica.
Com as plumas de uma pomba-torcaz que caíam no chão. Aqui está uma — acrescentou Leopoldina, mostrando-lhe uma pluminha.
Diga, Leopoldina, por que não sonha com outras coisas? — disse Ludovica com impaciência.
Minha filha, com o que quer que eu sonhe?
Com pedras preciosas, com anéis, com colares, com escravas. Com algo que sirva para alguma coisa. Com automóveis.
Não sei, filhinha.
Não sabe o quê?
O que são essas coisas. Tenho quase cento e vinte anos e sempre fui muito pobre.
É hora de ficarmos ricas. A senhora pode trazer a riqueza para esta casa.
Nos dias seguintes, Leonor e Ludovica passaram a se sentar perto de Leopoldina, para vê-la dormir. Despertavam-na a cada minuto.
Sonhou com o quê? — perguntavam a ela. — Sonhou com o quê?
Ela costumava responder que tinha sonhado com pluminhas, outro dia com pedrinhas, e outros, com ervas, gravetos ou rãs. Ludovica e Leonor às vezes protestavam acidamente, às vezes com ternura, para comovê-la, mas Leopoldina não era dona de seus sonhos: tanto a perturbaram que já não conseguia nem dormir. Resolveram lhe dar um guisado indigesto.
O estômago pesado dá soninho — disse Ludovica, preparando uma fritura escura com um cheiro delicioso.
Leopoldina comeu, mas não sonhou.
Vamos dar vinho a ela — disse Ludovica. — Vinho quente.
Leopoldina bebeu, mas não dormiu.
Leonor, que era precavida, foi em busca da curandeira, para pedir algumas ervas soníferas. A curandeira vivia em um lugar afastado. Tivemos que atravessar o charco e uma das mulas se afundou em um pântano. As ervas que Leonor conseguiu tampouco deram resultado. Ludovica e Leonor debateram, por alguns dias, sobre onde seria conveniente procurar um médico; se em Tafí del Valle ou em Amaicha.
Se vamos a Amaicha, vamos trazer uvas — disse Leonor a Leopoldina, para consolá-la.
Em seguida riu: — Não é época de uva.
E se formos a Tafí del Valle, traremos um queijinho da queijaria do Churquí — disse Ludovica.
Vão levar o Garotinho, para que ele dê um passeio? — disse Leopoldina, como se não gostasse nem de queijo nem de uva.
Fomos a Tafí del Valle. Cruzamos bem devagar, a cavalo, o charco onde a mula tinha morrido. Já na vila, fomos ao hospital e Leonor perguntou pelo médico. Nós a esperamos no pátio. Enquanto Leonor falava com o médico, tivemos tempo de sair para um passeio pela cidadezinha; quando voltamos, Leonor nos recebeu na porta do hospital com um pacote na mão. O pacote continha um medicamento, uma seringa e uma agulha para injeções. Leonor sabia dar injeções: uma enfermeira que ela tinha conhecido lhe ensinou a arte de cravar a agulha numa laranja ou numa maçã. Dormimos em Tafí del Valle e, de manhã, bem cedinho, começamos o regresso.
Ao nos ver chegar, como se tivesse sido ela a ter feito a viagem, Leopoldina disse que estava cansada, e dormiu pela primeira vez depois de vinte dias de insônia.
Que bandida — disse Ludovica. — Ela dorme para nos mostrar desdém.
Quando viram que ela despertava, perguntaram:
Sonhou com o quê? Tem que nos contar com o que sonhou.
Leopoldina balbuciou algumas palavrinhas. Ludovica a sacudiu pelo braço.
Se não nos disser com o que sonhou, Leonor vai lhe aplicar uma injeção — acrescentou, exibindo a agulha e a seringa.
Sonhei que um cachorro escrevia minha história: aqui está — disse Leopoldina, mostrando umas folhas de papel amassadas e sujas. — Vocês poderiam lê-la, filhinhas, para que eu a escute?
Será possível que não pode sonhar com coisas mais importantes? — disse Leonor indignada, atirando ao chão as folhas. Em seguida trouxe um livro enorme com gravuras em cor e cheirando a xixi de gato, que a professora tinha lhe emprestado. Depois de folheá-lo atentamente, deteve-se em algumas gravuras, que mostrou a Leopoldina, friccionando-as com o dedo indicador. — Automóveis — virava as páginas —, colares — virava as páginas —, pulseiras — soprava as páginas —, joias — umedecia o polegar com saliva —, relógios — girava as folhas entre seus dedos. — Tem que sonhar com essas coisas, e não com porcarias sem importância.
Foi neste momento, Leopoldina, que falei com você, mas você não me ouviu, porque tinha dormido de novo e alguma coisa deslizou do seu sonho anterior para seu sonho presente.
Você se lembra dos meus antepassados? Se você invocá-los como eu sou, barrigudos, rudes, fervorosos e temerosos, vai se lembrar dos objetos mais suntuosos que já conheceu: aquele medalhão banhado a ouro, com uma mecha de cabelo dentro, que te deram de presente de casamento; as pedras do colar da sua mãe, que sua nora roubou; aquele cofre cheio de medalhinhas com água-marinha; a máquina de costura; o relógio; a carruagem com cavalos mansos de tão velhos que eram. É inacreditável, mas tudo isso existiu. Você se lembra daquela loja deslumbrante em Tafí del Valle, onde você comprou um broche com a cabeça de um cachorro parecido comigo gravada na pedra? Só mesmo eu posso me lembrar disso, eu, que para te curar da asma fui o abrigo do seu peito.
Se você não dormir, vamos aplicar a injeção na senhora — ameaçou Ludovica.
Leopoldina, aterrorizada, voltou a dormir. A cadeira de vime, que balançava, soltava um ruidinho estranho.
Será que têm ladrões por aqui? — perguntou Leonor.
Não tem lua.
Devem ser os espíritos — respondeu Ludovica.
Sabe por que eu chorava? Porque eu sentia se aproximar o vento Zonda.*
Nem Leonor nem Ludovica o escutavam, porque suas vozes retumbavam, desesperadas ou quem sabe esperançadas, perguntando:
Sonhou com o quê? Sonhou com o quê?
Desta vez Leopoldina saiu da casa, sem responder, e me disse:
Vamos, Garotinho, é chegada a hora.
Imediatamente o vento Zonda começou a soprar. Para os cristãos, o Zonda sempre tinha sido anunciado antes que aos outros, com um céu muito limpo, com um sol desbotado e bem desenhadinho, com um ameaçador barulho de mar (não conheço o mar) ao longe. Mas desta vez ele chegou como um relâmpago, varreu o chão do pátio, amontoou folhas e galhos nas frestas das montanhas, degolou os animais entre as pedras, destruiu as terras lavradas e um redemoinho levantou no ar Leopoldina e a mim, seu cachorro pila chamado Garotinho, que escreveu esta história durante o penúltimo sonho de sua dona.

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* O Zonda é o vento vindo da cordilheira dos Andes e caracterizado por sua alta temperatura, secura e intensidade. Provoca grandes danos por onde passa, pois levanta tal quantidade de areia que chega a encobrir a vista quase por completo. Segundo uma lenda nascida no norte da Argentina, o vento Zonda é um castigo enviado pela Pacha Mama, a mais alta divindade dos povos indígenas da região e que representa a mãe Terra, a natureza. (N. T.)

Silvina Ocampo, in A fúria

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