terça-feira, 13 de dezembro de 2022

A escolha

Nélia ficou muito impressionada quando perguntou à sua amiga Laurita o que ela achava do Paulo Artur, da sua intenção de casar com o Paulo Artur, e a Laurita ficou olhando para ela em silêncio, depois disse:
Nelinha, você tem um compromisso com a espécie.
O quê?
Nélia não sabia de compromisso algum. Que espécie? Laurita suspirou e perguntou o que a Nélia estava pensando. Que a questão era só aquela? Que era simples assim, caso ou não caso? Que não havia uma história por trás da sua história pessoal, a história da raça, a história dos genes da raça?
A espécie humana, Nelinha. A espécie humana. Você é responsável pela espécie humana.
Nelinha cada vez mais assustada:
Eu?!
Somos nós, as mulheres, que determinamos a evolução da espécie. Nós somos as responsáveis. Você e eu, Nelinha. E assim em todas as espécies, a fêmea tem a última palavra sobre quem vai engravidá-la, sobre que tipo vai se reproduzir, sobre qual corrente genética continua e qual acaba. Você já pensou nisso? No poder que você tem? Com um simples “não” você pode interromper uma linhagem de DNA que vem desde a criação do mundo. Recusando-se a ter seu filho, você pode, sem saber, estar negando a reprodução do último descendente direto de Adão, e bem feito.
Mas o Paulo Artur não...
Nelinha. Escuta. O período de namoro, de noivado, é a oportunidade que nós temos de avaliar se o homem que pretende depositar sua semente em nós merece isso. Ele só quer cumprir o seu papel, que é passar adiante, por assim dizer, a sua encomenda genética. Não está nem aí. Cabe a nós ter critérios e selecionar os melhores, para o bem da espécie, Nelinha. A corte, o assédio, a conquista, tudo isso existe até entre os cascudos, Nelinha, até entre os cascudos, e é a ajuda que a natureza nos dá para fazermos a seleção. Para compararmos os machos em todos os quesitos que significarão a evolução ou o atraso da raça. Estejam eles trocando cabeçadas numa savana africana ou comparando bíceps ou carteiras de ações na nossa frente, os machos estão se entregando ao nosso escrutínio, à nossa sentença. Disputando a nossa aprovação e o privilégio de usarem o nosso ventre. Mas a decisão final é nossa. A responsabilidade é nossa, Nelinha.
Nélia ficou muda. Não sabia que era tão importante. Laurita arrematou, para completar:
E o Paulo Artur, francamente...
Paulo Artur não tinha nada para contribuir à espécie a não ser sua cara. E uma coisa que a espécie decididamente não estava precisando era outra covinha no queixo.

Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça

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