Nélia
ficou muito impressionada quando perguntou à sua amiga Laurita o que
ela achava do Paulo Artur, da sua intenção de casar com o Paulo
Artur, e a Laurita ficou olhando para ela em silêncio, depois disse:
— Nelinha,
você tem um compromisso com a espécie.
— O
quê?
Nélia
não sabia de compromisso algum. Que espécie? Laurita suspirou e
perguntou o que a Nélia estava pensando. Que a questão era só
aquela? Que era simples assim, caso ou não caso? Que não havia uma
história por trás da sua história pessoal, a história da raça, a
história dos genes da raça?
— A
espécie humana, Nelinha. A espécie humana. Você é responsável
pela espécie humana.
Nelinha
cada vez mais assustada:
— Eu?!
— Somos
nós, as mulheres, que determinamos a evolução da espécie. Nós
somos as responsáveis. Você e eu, Nelinha. E assim em todas as
espécies, a fêmea tem a última palavra sobre quem vai
engravidá-la, sobre que tipo vai se reproduzir, sobre qual corrente
genética continua e qual acaba. Você já pensou nisso? No poder que
você tem? Com um simples “não” você pode interromper uma
linhagem de DNA que vem desde a criação do mundo. Recusando-se a
ter seu filho, você pode, sem saber, estar negando a reprodução do
último descendente direto de Adão, e bem feito.
— Mas
o Paulo Artur não...
— Nelinha.
Escuta. O período de namoro, de noivado, é a oportunidade que nós
temos de avaliar se o homem que pretende depositar sua semente em nós
merece isso. Ele só quer cumprir o seu papel, que é passar adiante,
por assim dizer, a sua encomenda genética. Não está nem aí. Cabe
a nós ter critérios e selecionar os melhores, para o bem da
espécie, Nelinha. A corte, o assédio, a conquista, tudo isso existe
até entre os cascudos, Nelinha, até entre os cascudos, e é a ajuda
que a natureza nos dá para fazermos a seleção. Para compararmos os
machos em todos os quesitos que significarão a evolução ou o
atraso da raça. Estejam eles trocando cabeçadas numa savana
africana ou comparando bíceps ou carteiras de ações na nossa
frente, os machos estão se entregando ao nosso escrutínio, à nossa
sentença. Disputando a nossa aprovação e o privilégio de usarem o
nosso ventre. Mas a decisão final é nossa. A responsabilidade é
nossa, Nelinha.
Nélia
ficou muda. Não sabia que era tão importante. Laurita arrematou,
para completar:
— E
o Paulo Artur, francamente...
Paulo
Artur não tinha nada para contribuir à espécie a não ser sua
cara. E uma coisa que a espécie decididamente não estava precisando
era outra covinha no queixo.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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