A
X lhe disseram que devia guardar seu dinheirinho no banco. É
simples, cômodo, garantido. Ele não tinha propriamente o que
guardar, mas ordenado não se gasta de pancada; depositá-lo, assinar
alguns pequenos cheques, deixar um saldo bruxuleante para o mês
seguinte: isso lhe dava certo prazer bancário, que X ia cultivando.
Resultado: no fim de algum tempo, tal o poder germinativo do capital,
tinha o que se chama “dinheiro no banco”. Não muito, o bastante
para viver quinze dias de barriga para o ar, contando nuvens.
Indo
para o trabalho, contemplava o banco, sem volúpia de avarento, mas
satisfeito: ali estava seu cobrinho, para qualquer emergência:
viagem de pobre, operação, uma dessas máquinas americanas que a
mulher sempre julga imprescindível adquirir e que vão secando o rio
Paraíba.
Surpreso,
certa manhã viu uma fila agitada em frente ao banco que cerrara as
portas. No dia seguinte, uma sigla qualquer do Banco do Brasil, pelos
jornais, anunciava a liquidação do estabelecimento e esclarecia
que, pelo decreto tal, de tantos de tantos, os depositantes de menos
de cem mil cruzeiros receberiam imediatamente seu dinheiro. Magnânimo
decreto! X viu que a casa se reabrira, entrou.
— Dentro
de sete dias o senhor será atendido.
Bem,
não há prazo de funcionamento para os advérbios. Imediatamente, em
linguagem bancária oficial, quer dizer: daqui a uma semana. Finda
esta, imediatamente passou a significar quinze dias. E converteu-se
em um mês, dois, regressou a quinze dias, oscilou algum tempo na
zona indeterminada de “a qualquer momento” e estabilizou-se na
acepção nebulosa de “não podemos informar”. O banquinho
assumira feição kafkiana. Abria-se todos os dias, para nada. Os
ex-empregados (dispensados e readmitidos a título precário)
ocupavam suas carteiras, ficavam esperando. O quê? Não havia
negócios, o cofre estava lacrado, os clientes queriam apenas
receber, mas isso só se faria imediatamente, isto é, quando Deus
fosse servido.
Como
é difícil liquidar um banco! Quanto mais um país, meditava ele, e
isso lhe dava conforto cívico, em outra sorte de preocupações.
Veio
a “emergência” e X, com dinheiro no banco, teve de pedi-lo
emprestado a outro. Um dia, a sigla chamou-o pelo jornal. Foi,
assinou um documento em que declarava tudo aquilo que o banco estava
farto de saber: nome, endereço, saldo da conta-corrente etc., e
outras coisas que não lhe haviam perguntado ao abrir-lhe a conta: se
era casado, em que regime etc.
— Agora
vou receber?
— Daqui
a dez dias.
O
advérbio se esticou de novo, de novo chamaram X, deram-lhe uma ficha
que o habilitava a reaparecer dentro de cinco dias e a assinar sete
papéis com duas testemunhas e firmas reconhecidas. Carimbaram tudo e
mandaram X ao Banco do Brasil.
No
BB, deram-lhe um papelinho e um caderno de cheques.
— Que
é isso?
— É
a sua conta-corrente no BB.
— Mas
eu não tenho conta aqui.
— O
senhor assinou um instrumento de cessão de direitos em quatro vias,
e não se lembra disso?
Como
toda gente, em todo o mundo, X assinara sem ler, e agora estava preso
ao BB, engrenagem que sempre lhe inspirara majestoso pavor. Perguntou
timidamente se podia sacar quanto quisesse. Sorrindo, disseram-lhe
que sim. Pela dúvida, X encheu logo um cheque na importância total
do saldo, rasgou os demais, recebeu o cobre e saiu correndo, com duas
noções adquiridas: lugar de dinheiro é debaixo do colchão, e
decreto de governo é brincadeira com dicionário.
Carlos Drummond de Andrade, in Fala, Amendoeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário