Ele
tinha um modo de falar a palavra inabalável.
O
‘l’ final concluído à moda dos holandeses
que
pregaram pra nós, catecismo, missões, missas dominicais.
‘Inabalável
certeza’, ‘ inabalável fé’, ‘poder inabalábel’.
Quando
usava esta forte palavra, não a dizia
com
a boca de quem come as perecíveis matérias,
ou
nomeia o que julga indigno do seu falar melhor,
por
serem as comuns coisas:
malho,
bigorna, ferro, o encarregado, o chefe.
‘Inabalável’,
a
língua demorando na base superior dos dentes,
a
doutrina exigente necessitando de um mais puro som,
conforme
o que exprimia, coisas de Deus,
eternas
coisas aterradoras de tão impossível mácula.
Quando
a vida abalável enrijeceu seu queixo,
a
língua paralisada conformou-se roxa,
a
ponta voltada para a raiz dos dentes,
inabalável.
Adélia Prado, in Bagagem
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