sábado, 14 de maio de 2022

Pra machucar meu coração | Ary Barroso, 1943


No início dos anos 1940, o talento de Ary Barroso como compositor já era mais do que reconhecido, colecionando sucessos que continuam em voga até hoje, como provam as outras duas canções aqui incluídas, “Na Baixa do Sapateiro” e “Aquarela do Brasil”. Mas o mineiro de Ubá ainda tinha inspiração de sobra, caso do samba-canção de melodia arrebatadora que é “Pra machucar meu coração”, vestido por uma luxuosa harmonia.
Na época, além das muitas funções na música (pianista, compositor, líder de orquestra, eventual cantor), o bacharel em Direito Ary Barroso já exercia outras atividades. Foi apresentador de programa de calouros e locutor esportivo (torcendo parcial e despudoradamente por seu Flamengo durante as transmissões), e teve participação ativa na política. Destacou-se na luta pelos direitos autorais na música (foi um dos fundadores e, em 1942, o primeiro presidente da União Brasileira de Compositores, UBC) e, em 1946, foi o segundo mais votado para a Câmara de Vereadores do Rio.
Agenda lotada de outros interesses, mas com tempo e inspiração para novas canções, o passional Ary é o coração romântico que se recupera de uma “cruel desilusão”. Do lar que mantinha com a amada restaram apenas o (hoje, ecologicamente incorreto) sabiá e o violão. Apesar da separação traumática, a melodia melancólica revela que o narrador começava a se recuperar (“Quem sabe, não foi bem melhor assim…”) e, em seus últimos versos, transmite sua lição de vida: “A vida é uma escola / Onde a gente precisa aprender / A ciência de viver pra não sofrer.”
Lançado em 1943 pelo cantor Déo, hoje esquecido, este samba praticamente renasceu 21 anos depois, em Getz/Gilberto, gravado e lançado em 1964 nos Estados Unidos pelo saxofonista Stan Getz e por João Gilberto, com participação de Tom Jobim ao piano, e que popularizou a bossa nova no mundo.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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