Sempre
compreendo o que faço depois que já fiz.
O
que sempre faço nem seja uma aplicação de
estudos.
É sempre uma descoberta. Não é nada
procurado.
É achado mesmo. Como se andasse num
brejo
e desse no sapo. Acho que é defeito de
nascença
isso. Igual como a gente nascesse de
quatro
olhares ou de quatro orelhas. Um dia tentei
desenhar
as formas da Manhã sem lápis. Já pensou?
Por
primeiro havia que humanizar a Manhã.
Torná-la
biológica. Fazê-la mulher. Antesmente
eu
tentara coisificar as pessoas e humanizar as
coisas.
Porém humanizar o tempo! Uma parte do
tempo?
Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem
lápis
a Manhã de pernas abertas para o Sol. A
manhã
era mulher e estava de pernas abertas para
o
sol. Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre
Antônio,
1604, Lisboa) eu aprendera que as
imagens
pintadas com palavras eram para se ver de
ouvir.
Então seria o caso de se ouvir a frase pra
se
enxergar a Manhã de pernas abertas? Estava
humanizada
essa beleza de tempo. E com os seus
passarinhos,
e as águas e o Sol a fecundar o
trecho.
Arrisquei fazer isso com a Manhã, na cega.
Depois
que meu avô me ensinou que eu pintara a
imagem
erótica da Manhã. Isso fora.
Manoel de Barros, in Memórias Inventadas – A segunda infância
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