A
dona Griselda fazia uns bolos fantásticos.
Ela
tinha pastas com fotos dos bolos mais incríveis do universo. Era
esse, e não o vestido novo. Era esse, e não os presentes
embrulhados em celofane. Era esse, e não a comida favorita, o
momento mais feliz dos aniversários: escolhê-lo e pensar na cara de
inveja dos amigos ao ver quão internacionalmente bacana era nosso
bolo.
É
que os bolos da dona Griselda não eram redondos como os de todo
mundo. Tinham formas. De Mickey Mouse, de casa de bonecas, de carro
de bombeiro, de Ursinho Pooh, de Tartarugas Ninja.
Os
bolos da dona Griselda tampouco eram brancos com confetes coloridos
como os que minha mãe fazia, ou de pão de ló ou chocolate, como os
que se veem em todo aniversário. Não. Se fosse um táxi, o bolo era
amarelo táxi; se fosse uma viatura de polícia, tinha até as
luzinhas vermelhas da sirene; se fosse uma partida de futebol, branco
e preto; e se fosse a Cinderela, de todas as cores da Cinderela,
inclusive o cabelo loiro, os sapatinhos de cristal e os ratinhos
cinzentos.
Dona
Griselda fazia uns bolos inesquecíveis. Para o meu irmão, ela fez o
da primeira comunhão em formato de Bíblia aberta e nas páginas
açucaradas escreveu em letrinhas douradas: “Nada mais perfeito que
o Amor, o Amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.
As pessoas não paravam de perguntar à minha mãe de onde ela tinha
trazido aquele bolo tão espetacular e tiravam fotos dele em vez de
fotografar meu irmão. Quer dizer, fotografavam meu irmão, mas com o
bolo junto. Minha mãe contou a dona Griselda. Ela ficou vermelha,
parecia feliz.
Quando
se aproximava a data, nós aniversariantes do bairro, com uma emoção
gigantesca na barriga, íamos até a dona Griselda, depois de ter
insistido muito com nossa mãe todos os dias. Por fim, chegava o
momento em que ela nos dava as pastas e muito cerimoniosamente nos
dizia: “Escolha o que você quiser. Não tenha pressa”. Seus
olhos brilhavam enquanto ela esperava que apontássemos com o dedo:
“Este”.
Começávamos
a virar as páginas. A escolha, aquele momento terrível. E os irmãos
sempre se intrometendo, interrompendo: “Mamãe, eu quero este para
o meu próximo aniversário”, “Manhê, ela não pode fazer um
bolo pra mim?”. Havia discussões. Um ano, como não conseguimos
entrar num acordo, houve um de R2D2 e outro de Moranguinho na minha
festa.
Minha
mãe, enquanto decidíamos, perguntava a dona Griselda pela sua
saúde, por Griseldita, pelas plantas. Mas não pelo marido. O
marido, diziam, tinha ido embora com outra mulher. Ou que um dia saiu
para trabalhar e não voltou. Ou que estava preso. Ou que lhe dava
umas surras que a deixavam de cama durante dias e que ela ameaçou
chamar a polícia. Ou que ele havia posto dona Griselda e sua filha
para fora de casa, e as duas tiveram que vir morar aqui. Eu conhecia
muito bem a casa porque nela morou uma amiga minha, Wendy Martillo,
até ir embora porque seus pais se divorciaram.
Embora
fosse a mesma, como a casa da dona Griselda era diferente da casa da
minha amiga Wendy Martillo! Talvez os móveis fossem muito grandes e
muito escuros para uma sala tão pequena, talvez fossem as cortinas,
que sempre estavam fechadas. A casa da dona Griselda cheirava a coisa
guardada, velha, embolorada. Mas nada disso importava porque era
questão de abrir a pasta e tudo se enchia de cores, de personagens
da Disney, de campos de futebol com grama de açúcar verde, arcos de
confete e jogadores de bolacha; de baús do tesouro cheios de moedas
de chocolate; de corações, de ursos, de sapatinhos de bebê, de
Barbies, de Homens-Aranha e de tudo quanto pudéssemos sonhar em ver
num bolo.
Dona
Griselda não vivia disso. Na verdade, cobrava barato porque no
bairro todo mundo estava mal de dinheiro. A filha, Griseldita, era
quem as sustentava. Parece que tinha dinheiro. Havia trocado de carro
duas vezes e sempre estava de roupa nova. Comprava sacolas e mais
sacolas da dona Martha, vizinha da frente, que trazia muamba do
Panamá, e foi essa mesma senhora que espalhou a fofoca de que
Griseldita andava no mau caminho. Dizia assim mesmo, “mau caminho”.
Griseldita era loira, muito branca, e andava sempre com uns saltos
que a faziam parecer altíssima. Muitas vezes chegava fazendo um
escândalo de freios, chaves e barulho de saltos às quatro da manhã.
O que nenhuma mulher do bairro fazia, Griseldita fazia.
Um
dia fomos escolher um bolo para o meu aniversário de onze anos e
assim que entramos, minha mãe, que estava na frente, me mandou
voltar para casa. Pude ver alguma coisa. Dona Griselda estava
estirada no chão, o penhoar levantado, dava para ver sua calcinha, e
ela parecia morta. Gritei. Minha mãe, enfurecida, me mandou para
casa e depois de um tempo eu a vi cruzar a rua correndo até a casa
da dona Martha, da dona Diana e da dona Alicita. Depois acabou saindo
todo o quarteirão na calçada. Aos gritos, chamavam o seu Baque, o
vigia, para que viesse ajudar. Começamos a nos aproximar, apesar dos
gritos das nossas mães.
Parece
que alguém chamou Griseldita, porque ela apareceu logo depois, mais
brava que assustada, espantando as mulheres que rodeavam sua mãe.
Gritava feito louca. Que fossem embora velhas futriqueiras, que não
estava acontecendo nada velhas de merda, que se metam com sua vida
velhas putas, por acaso não têm casa velhas matracas. Dona Martha
ficou na calçada murmurando: “Mas essa é muito boa, ela chamando
a nós de putas. Que ainda por cima ajudamos sua mãe”.
Minha
mãe foi a primeira a voltar para casa porque não gostava de
confusão. Dizia “não gosto nada de bagunça”. Tinha sangue nas
mãos e nós nos assustamos e começamos a chorar. “Dona Griselda
caiu, não aconteceu nada, está bem, só tropeçou porque tinha
acabado de lavar o chão.” Depois a ouvi falando com as outras.
Dona Griselda estava cheirando a álcool, contava minha mãe, tinha
caído e machucado a cabeça. Estava toda vomitada, sussurrava minha
mãe, e suja. As outras respondiam que o lance da cabeça podia ser
coisa da filha, que lhe descia a porrada. Diziam “porrada”. Minha
mãe não acreditava. Mas não, como assim, uma filha fazer isso com
a mãe, isso é uma aberração, isso não, isso não. As outras
diziam sim, sim. Que as duas gostavam, e muito, é de um traguinho.
Diziam “gostam, e muito, é de um traguinho”. Que se a filha
chegava bêbada, batia na mãe. Que se a encontrava bêbada, batia
nela. Que se estivesse sóbria, também batia. E que isso acontecia
todos os dias.
Aquele
ano do meu décimo primeiro aniversário não teve o bolo. Minha mãe
não quis encomendá-lo a dona Griselda depois do ocorrido, então
comemos um triste bolinho coberto com chantili branco, confeitos
coloridos e a vela com o número 11. Mamãe me prometeu que no ano
seguinte eu ia ter o bolo mais espetacular do mundo, e eu comecei a
imaginar uma Barbie altíssima e loiríssima com coroa e um vestido
de princesa cor-de-rosa com fios prateados, todo feito com camadas de
bolo e doce de leite de recheio. Dona Griselda me faria o bolo-Barbie
mais precioso do mundo. Eu já o imaginava, tão perfeito, no centro
da mesa. Minhas amigas iam morrer. Plaf, plaf, plaf. Uma atrás da
outra, como baratas com Baigón.
Naquele
Natal fez um calor insuportável e metade do bairro estava na calçada
quando escutamos o disparo. Bum. Como um trovão. Os morcegos voaram
fazendo aquele guincho espantoso. Os cachorros começaram a latir.
Todo mundo se instalou em volta da casa da dona Griselda, mas ninguém
se atreveu a entrar.
Os
policiais a trouxeram enrolada num lençol branco que ia se empapando
de sangue cada vez mais, como se a mancha crescesse.
“O
que você fez, dona Griseldita?”, mamãe chorava. “E se foi a
filha?”, dona Martha chorava. E tapavam nossos olhos e nos mandavam
para casa, mas ninguém obedecia. Ficamos ali, um pouquinho
afastados. As sirenes dos carros de polícia davam voltas e mais
voltas. Tudo era vermelho. Ao longe, alguém estourava bombinhas e
fogos de artifício. A mancha crescendo, crescendo, e uma mão
escapando do lençol. Apenas uma mão, como se dizendo “tchau para
vocês que ficam”.
Depois
de poucos dias, veio um caminhão e levou os móveis gigantescos da
dona Griselda e muitas caixas nas quais, suponho, iam as pastas dos
bolos. A filha também foi embora do bairro naquele dia. Nunca mais a
vimos.
Meu
próximo aniversário teve um bolo redondo, de merda, mas para dizer
a verdade, isso já não me importava nem um pouco.
María Fernanda Ampuero, in Rinha de galos
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