segunda-feira, 11 de abril de 2022

Contar o filme “de a a z”

[1]
Como em casa o dinheiro andava a cavalo e a gente andava a pé, quando chegava um filme no acampamento da Mina e meu pai – só pelo nome do ator ou da atriz principal – achava que parecia ser bom, as moedas eram juntadas uma a uma, o preço exato da entrada, e me mandavam assistir.
Depois, ao voltar do cinema, eu tinha de contar o filme para a família inteira reunida na sala.

[2]
Era lindo, depois de ver o filme, encontrar meu pai e meus irmãos me esperando ansiosos em casa, sentados enfileirados que nem no cinema, penteadinhos e de roupa limpa, recém-mudada.
Meu pai, com uma manta boliviana cobrindo as pernas, ocupava a única poltrona que a gente tinha, e assim era a plateia lá de casa. No chão, do lado da poltrona, brilhava sua garrafa de vinho tinto e o único copo que havia sobrado em casa. A galeria era aquela bancada comprida, de madeira bruta, onde meus irmãos se acomodavam em ordem, do menor ao maior. Depois, quando alguns de seus amigos começaram a aparecer na janela, a janela virou o balcão.
Eu chegava do cinema, tomava rapidinho uma xícara de chá (que deixavam pronto me esperando) e começava a minha função. De pé na frente deles, de costas para a parede pintada a cal, branca feito a tela do cinema, começava a contar o filme “de a a z”, como dizia meu pai, tratando de não esquecer nenhum detalhe, nem da história, nem dos diálogos, nem dos personagens.
Aliás, devo esclarecer aqui que não me mandavam para o cinema só por ser a única mulher da família e eles – meu pai e meus irmãos – serem cavalheiros com as damas. Não senhor. Eles me mandavam porque eu era a melhor contando filmes. Assim mesmo, como se ouve: a melhor contadora de filmes da família. Depois, passei a ser a melhor da viela e em pouco tempo a melhor do povoado. Que eu saiba, não havia ninguém no povoado da Mina que ganhasse de mim na hora de contar filmes. Do tipo que fosse: de caubóis, de terror, de guerra, de marcianos, de amor. E, claro, os filmes mexicanos, que eram os que papai, como todo mundo que tinha vindo do sul, mais gostava.
E foi justamente com um filme mexicano, desses cheios de cantorias e muito choro, que ganhei meu título. Não foi nada fácil ganhar esse título.
Ou vocês acham que fui eleita só por causa da minha fina estampa?

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes

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