A
moda de brinquedos para homem entrou com tal disposição de pegar,
que as crianças, em pânico, se interrogam:
— Será
que temos de ganhar a vida, enquanto eles brincam?
Pois
brincar é tão bom, e os adultos se comprazem tanto com os jogos
inventados para eles, que alguns já abandonaram definitivamente o
trabalho, entregando-se à curtição lúdica, em regime de tempo
integral.
— Me
sinto muito gratificado — confessa meu vizinho de trinta e cinco
anos, que antes mourejava na Bolsa (era trabalho de mouro, diz ele) e
só agora percebeu que mercado de títulos tem muito de brinquedo:
pula, desce, roda, enguiça, torna a rodar… mas funde a cuca.
— O
Perclique, não. É criativo, estimula a expansão do vocabulário,
que andava ficando muito curto, você sabe o que é o português
falado hoje por aí. Acelera a atividade mental… e não depende de
fatores subterrâneos, entende?
Não
sei se já repararam. Em loja de brinquedos, ultimamente, só entra
adulto. Desacompanhado. Não vai comprar nada para o filho que faz
doze anos, é para si mesmo, porque o colega de escritório lhe
garantiu que Palito Bol é uma parada.
Uns
entram tímidos, disfarçando, não querem proclamar por enquanto a
volta à idade do brinquedo, e morrem de vergonha se lá dentro está
o Hermenegildo, que por sua vez se esconde, ou não se esconde: há
também os desinibidos, que trazem a infância redescoberta no rosto,
no riso franco, na alegria de terem reconquistado o direito de
brincar.
Conheço
um que, na gula de aproveitar (já fez cinquenta anos, e as coisas
que eram desimportantes para ele trocaram de valor com as
importantes), toma descaradamente os brinquedos dos pequenos, e chega
a brigar com eles quando reclamam seus direitos:
— Os
direitos são iguais, e além disto eu não tive a infância regalada
que vocês têm.
Filhos
mais compreensivos não só permitem o uso de seus aparelhos e jogos
pelos pais, como até lhes ministram noções de como fazer funcionar
“esse troço aí”. Sabem que adulto custa muito a aprender as
coisas, carece de espontaneidade, irrita-se, cansa-se facilmente. É
preciso ter paciência com ele. O adulto está apenas começando a
descobrir o inconveniente de ser adulto.
O
mundo, isto é, o homem anda realmente fatigado, tem coisas demais,
problemas e responsabilidades demais. Até ser importante dói. Vamos
esquecer tudo isso — diz ele, em monólogo interior — e aderir à
Bola 5. Nada de entretenimentos convencionais nem de emoções
extraconvencionais, pois o fenomenal é um de meus tédios mais
assíduos. E bolas para a famigerada televisão, que, sendo a cores,
se parece demais com as revistas ilustradas, que me enjoam de tanto
colorido. O Mahfuz, produtor de TV, está radiante:
— Programa
novo, subindo no Ibope?
— Não.
É o jogo da velha, que eu jogo toda noite, no horário do meu
programa.
Amigos
fazem questão de explicar-me que brinquedo de adulto não tem nada
de pueril, foi concebido na escala mental do homem. É ainda um
esforço de adulto para fazer passar o brinquedo, livrando-se da
pecha de infantilismo. Mas vem o garoto ou garota, entra na
brincadeira e conta mais pontos que o velho. Fiau!
Sendo
assim, homens e mulheres dispostos a brincar (no sentido puro da
palavra), vamos deixar de ser hipócritas, e confessemos que a
sedução maior dos brinquedos é essa mesmo, é serem brinquedos e
condizerem com a eterna criança e sua vida ativa. Deixemos de lado
as últimas e desmanteladas pretensões à suposta idade da razão,
que é quase sempre desrazão. E adotemos não somente os jogos com
fumaças cerebrais, que estão na moda, mas também a amarelinha, o
chicote-queimado, o tempo-será, a gata-parida, ocupações
deliciosas que tiram todo o tempo e prazer de guerrear.
Carlos Drummond de Andrade, in De Notícias e Não Notícias Faz-se A Crônica
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