Quando
ela disse que iria se casar com José Paulino, o filho do Antenor do
açougue, o irmão caçula desacreditou. “O Zé Pamonha?! Mas ele é
o maior babaca do bairro!” A mãe disse que ele ficasse quieto, por
mais que ela soubesse que a razão estava com o menino.
Assim
foi. Casou-se. Teve, dois anos depois, o inevitável José Paulino
Filho e, depois, a Teresinha, que não herdou o nome, mas herdou os
olhos sonsos do pai. O marido era aquilo mesmo. Falava pouco,
limitava-se a pagar as contas e a lembrar-se, por vezes vagamente,
que era casado com aquela mulher que se tornara insípida como ele.
Não mostrava grandes indícios de afeto pela tal família que os
anos colocaram dentro da sua casa.
Mas
ele não era de todo mau, era só um pamonha mesmo. Aspecto
amarelado, não muito saudável, textura quase gelatinosa.
Ela
sabia disso desde antes da sinceridade do irmão. Fez sua escolha
consciente, daí o fato de nunca ter se decepcionado. A não ser por
uma única causa: o marido nunca a chamava. Nem por Rosa, nem por
“mulher”, nem por “esposa”, nem por “ô”. Ele tinha o
estranho hábito de sempre dirigir-se às pessoas com uma frase
direta, sem nenhuma introdução.
Os
dois pequenos pamonhas, para profunda tristeza da mãe, cresceram com
o mesmo hábito do pai. Não gritavam “mãe” pela casa. Iam até
ela e pediam, diretamente, leite, colo, bolinhos de chuva, ajuda com
o dever de casa.
Ela
nunca foi sonhadora, nunca deixou que os pensamentos voassem, mas
criou sem querer a triste esperança de um dia ser chamada outra vez,
o que não acontecia desde a morte dos pais e da mudança dos irmãos
para o Paraguai. Por vezes, sonhava com uma voz de homem que chamava
por dezenas de nomes de mulher, exceto por Rosa.
Já
haviam se passado trinta e cinco anos desde o dia em que dissera
“sim” ao pamonha. Os filhos já haviam tomado seus rumos, e ele
assistia a um leilão de gado na televisão. Foi quando ela ouviu,
distante: “Pamonha, pamonha, pamonha”. Parecia piada de mau gosto
da vida. “Temos curau e pamonha”, bradava o alto-falante da Kombi
que se arrastava pela rua das Bromélias.
Foi
quando aconteceu.
“Venha
provar, minha senhora, é o puro creme do milho!”
O
coração de Rosa veio à boca. “Venha.” “Minha senhora.”
Depois de tantos anos, alguém chamava por ela. Foi quase como um
enfarto.
Correu
à cozinha, com dificuldade para respirar. Agarrou o porta-moedas.
Saiu para a rua sem nem ouvir a voz do marido. “Temos curau e
pamonha.”
Parou
em frente ao carro sem entender bem o que sentia, com o porta-moedas
em frente ao peito. O homem magro de camiseta branca perguntou: “É
curau ou pamonha, dona?”.
Não
teve dúvidas, por mais que nunca tivesse provado.
“É
curau.”
Voltou
para a cozinha segurando o pote de plástico morno nas mãos
trêmulas. Nunca poderia explicar a sensação daqueles minutos.
Sentou-se. Pegou uma colher na gaveta. Olhou o creme de amarelo
suave, polvilhado por canela. Suspirou. Mergulhou a colher, levando-a
rapidamente à boca.
Os
sentimentos inexplicáveis intensificaram-se. Fechou os olhos.
Permaneceu assim não soube por quanto tempo, talvez vinte segundos,
talvez quatro anos. Os olhos fechados, o creme doce na boca. E então
finalmente entendeu.
Era
o curau que ela esperava havia tantos anos. Era aquele sabor que
faltava nos seus dias. E percebeu, por fim, que quem nasceu para o
curau nunca seria, verdadeiramente, de um pamonha.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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