quinta-feira, 17 de março de 2022

De quando ele vai pescar


Então veio a enchente, mas o que posso acrescentar ao que já foi escrito? Chuva, ondas de chuva, incessantes. Riachos tornaram-se rios, rios lagos, e todos os lagos, ao inundar suas margens, tornaram-se um só. De alguma forma, Ashland — quase toda ela — foi poupada. A auspiciosa congruência de uma cadeia de montanhas, segundo alguns, dividindo as águas ao redor da cidade. É verdade que um pedaço de Ashland, casas e tudo, ainda está no fundo do que agora é chamado — apropriadamente, embora sem muita criatividade — de Grande Lago, e os fantasmas daqueles que morreram na enchente ainda podem ser ouvidos nas noites de verão. Mas o mais incrível a respeito do lago são os bagres. Bagres do tamanho de um homem, dizem — alguns maiores. Arrancam sua perna se você nadar muito no fundo. Perna e mais alguma coisa, se não tomar cuidado.
Só um tolo ou um herói tentaria agarrar um peixe daquele tamanho, e meu pai, bem — acho que tinha um pouco de cada.
Ele foi sozinho certa manhã, bem cedinho, e levou o barco até o meio do Grande Lago, na parte mais funda. Como isca? Um camundongo, morto, encontrado no depósito de milho. Ele o prendeu no anzol e foi dando linha. Levou bem uns cinco minutos para alcançar o fundo, então ele o foi puxando devagar. Logo sentiu um puxão. O puxão levou o camundongo, o anzol, tudo. Então ele tornou a tentar. Um anzol maior desta vez, uma linha mais forte, um camundongo morto mais atraente, e arremessou. A água estava começando a se agitar, a se agitar, borbulhar e se encrespar, como se o espírito do lago estivesse subindo. Edward continuou simplesmente pescando, só pescando. Talvez aquela fosse uma ideia ruim, considerando que as coisas estavam ficando muito esquisitas. E assustadoras. Talvez fosse melhor ele recolher seu camundongo e voltar para casa. Ok então. Só que ao recolher a linha ele nota que ela não está se movendo tanto quanto ele. Para a frente. E quanto mais depressa ele recolhe a linha, mais depressa ele se move. O que ele deve fazer, ele sabe, é simples: largar a vara. Soltá-la! Atirá-la na água e mandar-lhe um beijo de despedida. Quem sabe o que está na outra ponta daquela linha, arrastando-o? Mas ele não consegue soltá-la. Não consegue fazer isso. Suas mãos parecem fazer parte da própria vara. Ele escolhe a segunda melhor opção e para de recolher a linha, mas a segunda melhor opção também não funciona: ele continua a ir para a frente, é isso que acontece com Edward, e depressa, mais depressa do que antes. Então não se trata de um tronco de árvore, não é? Ele está sendo puxado por uma coisa, uma coisa viva — um bagre. Parecendo um golfinho, ele o vê sair da água, refletindo um raio de sol, belo, monstruoso, assustador — um metro e oitenta, dois metros de comprimento? — e levando Edward junto consigo ao mergulhar, arrancando-o do barco e puxando-o para o fundo, para o cemitério submerso do Grande Lago. E lá ele vê as casas e as fazendas, as plantações e as estradas, aquele pedaço de Ashland que foi tragado pela enchente. E vê as pessoas também: lá estão Homer Kittridge e sua esposa, Marla. Lá estão Vern Talbot e Carol Smith. Homer está levando um balde de ração para seus cavalos, e Carol está conversando com Marla sobre milho. Vern está consertando o trator. Debaixo de toneladas de água escura e verde, eles se movem como que em câmera lenta, e quando falam, bolhas saem dos seus lábios e sobem até a superfície. Quando o bagre passa arrastando Edward, Homer sorri e começa a acenar — Edward conhecia Homer —, mas não consegue terminar o gesto antes que peixe e homem tornem a desaparecer, subindo e saindo de repente da água, quando Edward é atirado na margem, desta vez sem a vara.
Ele nunca contou isso para ninguém. Não podia contar. Porque ninguém acreditaria nele. Ao ser interrogado sobre a perda da vara e do barco, Edward disse que adormeceu na margem do Grande Lago e eles simplesmente... foram levados pela correnteza.

Daniel Wallace, in Peixe Grande

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