Tudo me veio à lembrança.
Eu sou essa criança que nada entre o presente e o passado. Basta que eu feche os olhos e tudo me vem à lembrança. Lembro do cheiro da terra molhada depois da primeira chuva, da poeira dançando nos raios de luz. E me lembro da primeira vez que fiquei doente. Eu devia ter seis anos. A febre me castigou uma semana inteira. Calor, suor e calafrios. Meus primeiros tormentos datam daquela época.
Uma
madrugada no início da década de 1970, em Djibuti. A memória me
leva sempre a esse ponto de partida. Hoje em dia, minhas lembranças
estão menos turvas porque eu soube mobilizar esforços para recuar
no tempo e pôr um pouco de ordem na confusão da minha infância.
Noite
e dia a febre me fustigava dos dedos dos pés até a ponta do cabelo.
Num dia, ela me fazia vomitar. No outro, eu delirava. Eu
desconsiderava as palavras e os cuidados dispensados pela família.
Julgava mal seus gestos. A minha dor e a minha pouca idade eram
responsáveis por isso. A febre brincou com o meu corpo como as
meninas do meu bairro com a única boneca de pano que possuíam.
Por
seis noites e seis dias, eu tremi. Durante o dia, derramei toda a
água do meu corpo estirado em minha esteira; depois, à noite no meu
pequeno colchão, também estendido no chão. A temperatura subia ao
cair da noite. Eu chorava mais alto. Chamava minha mãe para me
socorrer. Impaciente, fervia de raiva. Não gostava quando ela me
deixava só. Sob a varanda, os olhos grudados no teto de alumínio.
Eu chorava à exaustão. Enfim, mamãe chegava. Porém eu não
encontrava mais o menor conforto nos braços de minha mãe Zahra.
Ela
não sabia o que fazer comigo. Uma decisão, depressa, exigia a
pequena voz que se apoderava dela naqueles momentos de pânico.
E
aí? Aí ela confiava o pequeno saco de ossos e de dor que eu era a
quem aparecesse na frente dela.
Quem?
Quem?
Rápido,
implorava a pequena voz.
Então
ela me jogava como um pacote qualquer
nos
braços da minha avó,
ou
nos da minha tia paterna Dayibo que tinha a idade da minha mãe,
ou
no colo de uma empregada que passava.
Depois
no colo de outra mulher,
uma
tia,
uma
parenta,
uma
empregada,
ou
então uma vizinha ou uma matrona que visitava minha avó.
Assim,
eu passava de braço em braço,
de
peito em peito.
Mas
eu chorava sempre,
de
dor
de
raiva
por
hábito, também.
O
amanhecer chegava quase sempre sem que eu tomasse conhecimento. Eu
caía de cansaço. Dormia um pouco, fungando, um sono agitado.
Acordava quando os primeiros raios do sol esquentavam o teto de
alumínio. Gritava de dor e de raiva, tremendo. E acordava todo
mundo.
Minha
mãe se levantava de um salto, assoava o nariz longamente. Talvez ela
não quisesse que eu a pegasse chorando. Nos seus olhos, eu percebia
um raio de pânico que já havia surpreendido no seu rosto.
Lá
fora, a cidade já estava animada. Eu escutava as crianças do
Château-d’Eau, meu bairro, indo para a escola. Elas tinham um ar
alegre, desobediente e barulhento. E eu estendido no meu colchão.
Febril. Soluçando de novo.
Em
vão, agitava meus braços esquálidos. Mamãe fungava em silêncio,
com um novo raio de pânico nas pupilas. A saída que ela achava era
me jogar nos braços da primeira pessoa que aparecia.
Os
da minha avó,
ou
aqueles da minha tia paterna,
ou
nos braços da vizinha.
E
depois de outra
e
mais outra.
E
o circo recomeçava.
O
fungar baixinho, o medo pânico, o raio de um instante.
E
eu passava de braço em braço.
como
um feixe de lenha.
Por
que mamãe me detestava tanto?
Essa
era uma pergunta que eu não ousava fazer para mim mesmo. Só mais
tarde ela se introduzirá nos meus pensamentos.
Se
instalará no meu coração. E cavará seu buraco negro.
Abdourahman A. Waberi, in Por que você dança quando anda?
Nenhum comentário:
Postar um comentário