quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Tudo me veio à lembrança

Tudo me veio à lembrança.
Eu sou essa criança que nada entre o presente e o passado. Basta que eu feche os olhos e tudo me vem à lembrança. Lembro do cheiro da terra molhada depois da primeira chuva, da poeira dançando nos raios de luz. E me lembro da primeira vez que fiquei doente. Eu devia ter seis anos. A febre me castigou uma semana inteira. Calor, suor e calafrios. Meus primeiros tormentos datam daquela época.

Uma madrugada no início da década de 1970, em Djibuti. A memória me leva sempre a esse ponto de partida. Hoje em dia, minhas lembranças estão menos turvas porque eu soube mobilizar esforços para recuar no tempo e pôr um pouco de ordem na confusão da minha infância.

Noite e dia a febre me fustigava dos dedos dos pés até a ponta do cabelo. Num dia, ela me fazia vomitar. No outro, eu delirava. Eu desconsiderava as palavras e os cuidados dispensados pela família. Julgava mal seus gestos. A minha dor e a minha pouca idade eram responsáveis por isso. A febre brincou com o meu corpo como as meninas do meu bairro com a única boneca de pano que possuíam.
Por seis noites e seis dias, eu tremi. Durante o dia, derramei toda a água do meu corpo estirado em minha esteira; depois, à noite no meu pequeno colchão, também estendido no chão. A temperatura subia ao cair da noite. Eu chorava mais alto. Chamava minha mãe para me socorrer. Impaciente, fervia de raiva. Não gostava quando ela me deixava só. Sob a varanda, os olhos grudados no teto de alumínio. Eu chorava à exaustão. Enfim, mamãe chegava. Porém eu não encontrava mais o menor conforto nos braços de minha mãe Zahra.
Ela não sabia o que fazer comigo. Uma decisão, depressa, exigia a pequena voz que se apoderava dela naqueles momentos de pânico.
E aí? Aí ela confiava o pequeno saco de ossos e de dor que eu era a quem aparecesse na frente dela.
Quem? Quem?
Rápido, implorava a pequena voz.
Então ela me jogava como um pacote qualquer
nos braços da minha avó,
ou nos da minha tia paterna Dayibo que tinha a idade da minha mãe,
ou no colo de uma empregada que passava.
Depois no colo de outra mulher,
uma tia,
uma parenta,
uma empregada,
ou então uma vizinha ou uma matrona que visitava minha avó.
Assim, eu passava de braço em braço,
de peito em peito.
Mas eu chorava sempre,
de dor
de raiva
por hábito, também.

O amanhecer chegava quase sempre sem que eu tomasse conhecimento. Eu caía de cansaço. Dormia um pouco, fungando, um sono agitado. Acordava quando os primeiros raios do sol esquentavam o teto de alumínio. Gritava de dor e de raiva, tremendo. E acordava todo mundo.
Minha mãe se levantava de um salto, assoava o nariz longamente. Talvez ela não quisesse que eu a pegasse chorando. Nos seus olhos, eu percebia um raio de pânico que já havia surpreendido no seu rosto.
Lá fora, a cidade já estava animada. Eu escutava as crianças do Château-d’Eau, meu bairro, indo para a escola. Elas tinham um ar alegre, desobediente e barulhento. E eu estendido no meu colchão. Febril. Soluçando de novo.
Em vão, agitava meus braços esquálidos. Mamãe fungava em silêncio, com um novo raio de pânico nas pupilas. A saída que ela achava era me jogar nos braços da primeira pessoa que aparecia.
Os da minha avó,
ou aqueles da minha tia paterna,
ou nos braços da vizinha.
E depois de outra
e mais outra.
E o circo recomeçava.
O fungar baixinho, o medo pânico, o raio de um instante.
E eu passava de braço em braço.
como um feixe de lenha.
Por que mamãe me detestava tanto?

Essa era uma pergunta que eu não ousava fazer para mim mesmo. Só mais tarde ela se introduzirá nos meus pensamentos.
Se instalará no meu coração. E cavará seu buraco negro.

Abdourahman A. Waberi, in Por que você dança quando anda?

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