Havia
uma única coisa que eu invejava nos católicos: no Natal, eles
armavam presépios e nós, protestantes, tínhamos árvores de Natal.
As árvores eram bonitas, mas não me comoviam como o presépio: uma
cabaninha coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas,
vacas, burros, misturados com reis, anjos e estrelas, numa mansa
fraternidade, contemplando uma criancinha. A contemplação de uma
criancinha amansa o universo. Os católicos mais humildes tinham
alegria em fazer os seus presépios. As pobres salas de visita se
transformavam em lugares sagrados. As casas ficavam abertas para quem
quisesse se juntar aos reis, pastores e bichos. E nós, meninos, pés
descalços — os sapatos só eram usados em ocasiões especiais —,
peregrinávamos de casa em casa, para ver a mesma cena repetida.
Nós
tratávamos de fazer os nossos próprios presépios. Os preparativos
começavam bem antes do Natal. Enchíamos latas vazias de goiabada
com areia, e nelas semeávamos alpiste ou arroz. Logo os brotos
verdes começavam a aparecer. O cenário do nascimento do Menino
Jesus tinha de ser verdejante. Sobre os brotos verdes espalhávamos
bichinhos de celulóide. Naquele tempo ainda não havia plástico.
Tigres, leões, bois, vacas, macacos, elefantes, girafas. Sem saber,
estávamos representando o sonho do profeta que anunciava o dia em
que os leões haveriam de comer capim junto com os bois e as crianças
haveriam de brincar com as serpentes venenosas. A estrebaria, nós
mesmos a fazíamos com bambus. E as figuras que faltavam nós as
completávamos artesanalmente com bonequinhos de argila. Tinha também
de haver um laguinho onde nadavam patos e cisnes. Não importava que
os patos fossem maiores que os elefantes. No mundo mágico tudo é
possível. Era uma cena naïf, primitiva, indiferente às regras da
perspectiva. Um presépio verdadeiro tem de ser infantil. E as
figuras mais desproporcionais nessa cena tranquila éramos nós
mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos
gostaríamos de estar dentro dele. Éramos adoradores do Menino,
juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores.
Aconteceu
de verdade? Foi daquele jeito descrito pelas Escrituras Sagradas? As
crianças sabem que isso é irrelevante. Elas ouvem a estória e a
estória acontece de novo. Não querem explicações. Não querem
interpretações. A beleza da estória lhes basta. Os teólogos que
fiquem longe do presépio. Suas palavras atrapalham.
O
presépio nos faz querer “voltar para lá, para esse lugar onde
as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima
e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá.
Estamos encantados. Adivinhamos que somos de um outro mundo”
(Octávio Paz).
Rubem Alves, in O velho que acordou menino
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