As
lições da infância
desaprendidas
na idade madura.
Já
não quero palavras
nem
delas careço.
Tenho
todos os elementos
ao
alcance do braço.
Todas
as frutas
e
consentimentos.
Nenhum
desejo débil.
Nem
mesmo sinto falta
do
que me completa e é quase sempre melancólico.
Estou
solto no mundo largo.
Lúcido
cavalo
com
substância de anjo
circula
através de mim.
Sou
varado pela noite, atravesso os lagos frios,
absorvo
epopeia e carne,
bebo
tudo,
desfaço
tudo,
torno
a criar, a esquecer-me:
durmo
agora, recomeço ontem.
De
longe vieram chamar-me.
Havia
fogo na mata.
Nada
pude fazer,
nem
tinha vontade.
Toda
a água que possuía
irrigava
jardins particulares
de
atletas retirados, freiras surdas, funcionários demitidos.
Nisso
vieram os pássaros,
rubros,
sufocados, sem canto,
e
pousaram a esmo.
Todos
se transformaram em pedra.
Já
não sinto piedade.
Antes
de mim outros poetas,
depois
de mim outros e outros
estão
cantando a morte e a prisão.
Moças
fatigadas se entregam, soldados se matam
no
centro da cidade vencida.
Resisto
e penso
numa
terra enfim despojada de plantas inúteis,
num
país extraordinário, nu e terno,
qualquer
coisa de melodioso,
não
obstante mudo,
além
dos desertos onde passam tropas, dos morros
onde
alguém colocou bandeiras com enigmas,
e
resolvo embriagar-me.
Já
não dirão que estou resignado
e
perdi os melhores dias.
Dentro
de mim, bem no fundo,
há
reservas colossais de tempo,
futuro,
pós-futuro, pretérito,
há
domingos, regatas, procissões,
há
mitos proletários, condutos subterrâneos,
janelas
em febre, massas de água salgada, meditação e sarcasmo.
Ninguém
me fará calar, gritarei sempre
que
se abafe um prazer, apontarei os desanimados,
negociarei
em voz baixa com os conspiradores,
transmitirei
recados que não se ousa dar nem receber,
serei,
no circo, o palhaço,
serei
médico, faca de pão, remédio, toalha,
serei
bonde, barco, loja de calçados, igreja, enxovia,
serei
as coisas mais ordinárias e humanas, e também as excepcionais:
tudo
depende da hora
e
de certa inclinação feérica,
viva
em mim qual um inseto.
Idade
madura em olhos, receitas e pés, ela me invade
com
sua maré de ciências afinal superadas.
Posso
desprezar ou querer os institutos, as lendas,
descobri
na pele certos sinais que aos vinte anos não via.
Eles
dizem o caminho,
embora
também se acovardem
em
face a tanta claridade roubada ao tempo.
Mas
eu sigo, cada vez menos solitário,
em
ruas extremamente dispersas,
transito
no canto do homem ou da máquina que roda,
aborreço-me
de tanta riqueza, jogo-a toda por um número de casa,
e
ganho.
Carlos Drummond de Andrade, in A Rosa do Povo
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