(No escuro do quarto, hora de dormir.)
– Tia.
– Oi.
– Eu acho você tão bonita.
– Ô, princesa. Que gostoso ouvir isso.
Eu também acho você linda.
(Risadinha simpática – daquelas que
não se espera que criança de nove anos saiba dar. Alguns segundos
de silêncio.)
– E mesmo assim você não arranja um
namorado, né, tia?
(Pausa longa.)
(Riso forçado.)
– …querida! Eu não estou caçando
namorado.
– Tá bom. Eu sei. Mas é que você é
a única tia que sobrou sem casar.
– Ué, eu sou a caçula.
– É verdade. Não tinha pensado nisso.
Achei que era por causa do seu nariz.
(Pausa.)
– Que que meu nariz tem com isso?
– Ah, você sabe. Ele é muito…
pontudo.
– Sim, eu sei que é grande. Mas você
achou que eu não casava por isso?
– Não. Claro que não. Só achei que
ninguém te namorava por isso.
(Risada sincera.)
– Não, amor. Pode ficar tranquila.
Está tudo bem com meu nariz e meu coração.
– Que bom. Porque você é muuuuuito
bonita.
(Risada de ego.)
– Obrigada, lindinha.
– E às vezes muuuuuito chatinha.
(Pausa breve.)
– Tipo?
– Tipo quando acha que a roupa não
pode ter nenhuma sujeirinha.
– Isso não é chatice, isso é
limpeza!
– Por isso que você não tem namorado.
Os meninos são sempre meio sujos.
– Saquei. É um ponto interessante.
(Suspiro da pequena.)
– Ai, tia, você é tão bonita. Mas
ainda tem que aprender tanta coisa…
– Todos nós temos, gatinha.
– Mas, olha, tia, se você nuuuuuunca
namorar de novo, eu vou te amar do mesmo jeito.
(Risada de sonora exaustão.)
– Que bom, querida, que bom.
– Porque essa coisa de precisar casar é
do passado. Hoje as meninas são livres. E sabe? Acho que quando eu
crescer eu quero ser assim que nem você.
– Assim… livre?
– Não. Livre, eu já sou. Quero ser
assim… linda. Linda e toda erradinha.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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