Eu estava no primeiro ano do grupo. Da
nossa sala ouvíamos a professora na sala ao lado a berrar com voz
fina esganiçada: “Silêncio! Silêncio! O giz está esperando!”.
Eu pensava: “Será que ela acha que a meninada tem medo do giz?”.
Na nossa sala não havia gritos. Era a voz mansa da dona Clotilde,
mulher bonita de uns 25 anos. Pois ela fazia o seguinte: assentava-se
numa cadeira bem no meio da sala, num lugar onde todos a viam e
começava a desabotoar a blusa, um botão, dois botões, três
botões, blusa aberta até o estômago, a meninada em suspense, e aí
ela enfiava a mão dentro dela e puxava para fora um seio lindo,
liso, branco, aquele mamilo atrevido... Lembro-me da hidrografia azul
das finíssimas veias do seu seio! E nós, meninos, de boca aberta...
Mas isso durava não mais que cinco segundos, porque ela logo pegava
o nenezinho e o punha para mamar. E lá ficávamos nós, sentindo
coisas estranhas que não entendíamos: o corpo sabe coisas que a
cabeça não sabe. Terminada a aula, os meninos faziam fila junto à
dona Clotilde, pedindo para carregar a pasta. Mas o objeto do desejo,
na realidade, era o seio. Por um artifício poético, uma metonímia,
os meninos elegiam a pasta como representante do seio. Quem carregava
a pasta estava, simbolicamente, de posse do seio da dona Clotilde.
“Quem não tem seio carrega pasta...”
Depois de adulto aprendi a lição e a
contei aos meus leitores professores: por amor ou admiração a um
professor, um aluno é capaz de carregar as pastas mais pesadas...
Melanie Klein, mestra de psicanálise, concordaria: é preciso ser um
seio bom (pois há seios maus, cheios de fel...).
O pai da dona Clotilde era dono de um
botequim onde se vendia um doce chamado mata-fome, de que nunca
gostei. Mas eu comprava um mata-fome e ia para casa chupando bem
devagarzinho...
Isso aconteceu no ano de 1941. Contei
essa estória num congresso de professores, em Cambuquira. Aí veio a
surpresa. Eles me disseram: “Dona Clotilde está viva, 92 anos de
idade, e aos 90 defendeu tese de mestrado sobre ‘A ironia em Eça
de Queiroz’”. Fui visitar a dona Clotilde. Foi um suave
reencontro amoroso…
Rubem Alves, in O velho que acordou menino
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