domingo, 3 de outubro de 2021

Último aviso

Duas da tarde, Nelsinho viu a fulana descer do ônibus. Na esquina o tal Múcio, com quem trocou olhares. Entrou no cinema, o sujeito atrás.
Apagada a luz, sentaram-se na última fila, a conversar em voz baixa. De sua cadeira Nelsinho não os podia ouvir. Certo que não prestavam atenção ao filme. No meio da sessão, Múcio levantou-se e saiu.
O herói pediu licença, sentou-se ao lado, precisava falar com ela.
Está louco? Sabe que sou casada. Por ele não fazia diferença.
Olhe que chamo o guarda.
Aí, safadinha, pensa que não vi?
Não tem nada com minha vida.
Eu não. Teu marido pode ter.
Se disser alguma coisa, conto que me perseguiu.
Isso é velho. De você eu sei coisas do arco-da-velha.
Ofendida, Odete ergueu-se e, subindo a escada, foi para o balcão. Minutos depois, o rapaz surgiu ao lado.
Como é? Posso falar com você? Sabia que teu marido tem amante? Sabia que eles se encontram à noite? Ainda não sabe, não é? Já vi os dois juntinhos em tantos lugares. Sei que ele pouco demora em casa. Trata você aos gritos quando lhe pede dinheiro. Foi seduzido por essa tipa. Me dói o coração ver você desprezada. É a única de quem gostei na vida. Tire a máscara dessa sem-vergonha. Também é casada. Mãe de filhos quem sabe do teu marido... O homem dela viaja muito. Na sua ausência, ela se mostra o que é: uma sirigaita. Pode que aconteça uma tragédia quando o marido volte e alguém conte. É bobagem brigar com o teu. Sabe como são os homens. São fracos – não resistem a um palminho de cara bonita. Cuidado com essa aventureira, que se entrega a ele de olho fechado. Quer um conselho, Odete? Olhe, você dê o desprezo. Faça com ele o mesmo que lhe faz.
Sem responder, a bela foi para a plateia, seguida de Nelsinho. Ameaçou contar ao marido assim que chegasse. Ora, se falasse qualquer coisa, não a surpreendera com outro? Odete saiu furiosa, esqueceu até a sombrinha. Em casa, descreveu o incidente à sua velha mãe:
Não se pode ir sozinha ao cinema. Aconselhada pela velha a nada revelar ao marido. Muito nervoso, alguma desgraça. Odete insistia, olhos sonhadores, na loucura do rapaz. Intrigá-la com o marido não era vingança de um doente de paixão?
Àquela hora o nosso herói telefonava para o marido:
Boa tarde, seu Artur. Como foi de viagem? Viajar é bom – quando a mulher fica em casa.
Que história é essa? Quem está falando? Não estou entendendo.
Aqui é um amigo. O nome não Interessa. O caso é tão delicado. Não sei o que diga. Por onde comece. O marido viaja, a mulher fica de namoro. O senhor merece essa falseta? Vou contar o que sei. A sua mulher... Ela tem um amante!
Canalha! Dou um tiro na boca. Você prova, seu patife? Então, diga. Quem é que anda com minha mulher?
Um tal doutor Múcio.
No súbito silêncio, e antes que o palavrão explodisse, Nelsinho desligou. Da folha branca alisou as rugas. Grande sorriso até o fim da carta, em letra de forma, com a mão esquerda:
Dr. Múcio
Grande filho da mãe
Previno-te cuidado! Cuidado!
De hoje em diante vou te perseguir
Já não fiz asneira porque não quis manchar o meu nome
De hoje em diante farei meus pensamentos. Já considerei tua mulher e teus filhos
Mas como você é covarde só merece uma bala na cabeça
E te previno pense bem na tua mulher e teus filhos
E outros inocentes que andam sofrendo no mundo por tua causa
Covarde sem-vergonha descarado. Pense no futuro do teu lar porque tua vida é curta
Se continuar tirando a honra das mulheres casadas. Você também é casado e anda corneando os maridos
Não é só com a minha tem muitas outras
Não pense que eu sou um covarde como você. Tenho coragem para tirar teu miolo fora
Talvez você não alcance o Ano Novo
Farei uma limpeza em Curitiba
Eu só desejo a vingança
Derramarei o sangue deste desgraçado na rua
Cuide do teu pelo
É o último aviso.

DaltonTrevisan, in O vampiro de Curitiba

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