Duas da tarde, Nelsinho viu a fulana
descer do ônibus. Na esquina o tal Múcio, com quem trocou olhares.
Entrou no cinema, o sujeito atrás.
Apagada a luz, sentaram-se na última
fila, a conversar em voz baixa. De sua cadeira Nelsinho não os podia
ouvir. Certo que não prestavam atenção ao filme. No meio da
sessão, Múcio levantou-se e saiu.
O herói pediu licença, sentou-se ao
lado, precisava falar com ela.
– Está louco? Sabe que sou casada. Por
ele não fazia diferença.
– Olhe que chamo o guarda.
– Aí, safadinha, pensa que não vi?
– Não tem nada com minha vida.
– Eu não. Teu marido pode ter.
– Se disser alguma coisa, conto que me
perseguiu.
– Isso é velho. De você eu sei
coisas do arco-da-velha.
Ofendida, Odete ergueu-se e, subindo a
escada, foi para o balcão. Minutos depois, o rapaz surgiu ao lado.
– Como é? Posso falar com você?
Sabia que teu marido tem amante? Sabia que eles se encontram à
noite? Ainda não sabe, não é? Já vi os dois juntinhos em tantos
lugares. Sei que ele pouco demora em casa. Trata você aos gritos
quando lhe pede dinheiro. Foi seduzido por essa tipa. Me dói o
coração ver você desprezada. É a única de quem gostei na vida.
Tire a máscara dessa sem-vergonha. Também é casada. Mãe de filhos
quem sabe do teu marido... O homem dela viaja muito. Na sua ausência,
ela se mostra o que é: uma sirigaita. Pode que aconteça uma
tragédia quando o marido volte e alguém conte. É bobagem brigar
com o teu. Sabe como são os homens. São fracos – não resistem a
um palminho de cara bonita. Cuidado com essa aventureira, que se
entrega a ele de olho fechado. Quer um conselho, Odete? Olhe, você
dê o desprezo. Faça com ele o mesmo que lhe faz.
Sem responder, a bela foi para a plateia,
seguida de Nelsinho. Ameaçou contar ao marido assim que chegasse.
Ora, se falasse qualquer coisa, não a surpreendera com outro? Odete
saiu furiosa, esqueceu até a sombrinha. Em casa, descreveu o
incidente à sua velha mãe:
– Não se pode ir sozinha ao cinema.
Aconselhada pela velha a nada revelar ao marido. Muito nervoso,
alguma desgraça. Odete insistia, olhos sonhadores, na loucura do
rapaz. Intrigá-la com o marido não era vingança de um doente de
paixão?
Àquela hora o nosso herói telefonava
para o marido:
– Boa tarde, seu Artur. Como foi de
viagem? Viajar é bom – quando a mulher fica em casa.
– Que história é essa? Quem está
falando? Não estou entendendo.
– Aqui é um amigo. O nome não
Interessa. O caso é tão delicado. Não sei o que diga. Por onde
comece. O marido viaja, a mulher fica de namoro. O senhor merece essa
falseta? Vou contar o que sei. A sua mulher... Ela tem um amante!
– Canalha! Dou um tiro na boca. Você
prova, seu patife? Então, diga. Quem é que anda com minha mulher?
– Um tal doutor Múcio.
No súbito silêncio, e antes que o
palavrão explodisse, Nelsinho desligou. Da folha branca alisou as
rugas. Grande sorriso até o fim da carta, em letra de forma, com a
mão esquerda:
Dr. Múcio
Grande filho da mãe
Previno-te cuidado! Cuidado!
De hoje em diante vou te perseguir
Já não fiz asneira porque não quis
manchar o meu nome
De hoje em diante farei meus pensamentos.
Já considerei tua mulher e teus filhos
Mas como você é covarde só merece uma
bala na cabeça
E te previno pense bem na tua mulher e
teus filhos
E outros inocentes que andam sofrendo no
mundo por tua causa
Covarde sem-vergonha descarado. Pense no
futuro do teu lar porque tua vida é curta
Se continuar tirando a honra das mulheres
casadas. Você também é casado e anda corneando os maridos
Não é só com a minha tem muitas outras
Não pense que eu sou um covarde como
você. Tenho coragem para tirar teu miolo fora
Talvez você não alcance o Ano Novo
Farei uma limpeza em Curitiba
Eu só desejo a vingança
Derramarei o sangue deste desgraçado na
rua
Cuide do teu pelo
É o último aviso.
DaltonTrevisan, in O vampiro de Curitiba
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