As árvores são muito sociáveis e
ajudam umas às outras, mas isso não basta para sobreviverem bem no
ecossistema da floresta. Cada espécie tenta ganhar espaço, melhorar
seu desempenho e com isso reprimir outras. Além da luta pela luz, no
fim das contas é a luta pela água que decide a vencedora. As raízes
das árvores são muito eficazes no aproveitamento do solo úmido.
Formam uma penugem fina que aumenta sua superfície de contato e
retém o máximo possível de água. Em circunstâncias normais, isso
basta, porém quanto mais puderem captar, melhor. Por essa razão, há
milhões de anos as árvores fizeram um acordo com os fungos.
Os fungos são seres surpreendentes. Na
classificação-padrão dos seres vivos não se encaixam como animais
nem como plantas. As plantas, por definição, produzem seus
nutrientes a partir de matéria inorgânica, ou seja, sobrevivem de
maneira totalmente independente de outras formas de vida. Não
surpreende que, em terrenos áridos e desérticos, os animais só
apareçam depois de surgir vegetação, já que os animais precisam
se alimentar de outros seres vivos para sobreviver. Acontece que a
grama e as árvores jovens não gostam nem um pouco de ser comidas
por vacas ou cervos. Não importa se um lobo come um javali ou um
cervo devora um broto de carvalho: em ambos os casos há dor e morte.
Os fungos se encaixam em algum ponto
entre os dois reinos. Suas paredes celulares são formadas de
quitina, substância que os aproxima dos insetos e não existe em
plantas. Além disso, não realizam fotossíntese e dependem de
ligações orgânicas de outros seres vivos dos quais se alimentam.
Ao longo de décadas, o micélio (rede
subterrânea da maioria das espécies de fungo, formada por
filamentos extremamente finos) tende a se ampliar mais e mais. Na
Suíça, um único fungo do gênero Armillaria, comumente
chamado de cogumelo-do-mel, alcança quase 500 metros quadrados de
extensão e tem cerca de mil anos. No estado norte-americano de
Oregon, outro pesa 600 toneladas, tem cerca de 2.400 anos e ocupa
mais de 8 quilômetros quadrados de extensão. Dessa forma, os fungos
são os maiores seres vivos conhecidos do planeta. No entanto, são
inimigos das árvores, pois podem matá-las enquanto buscam tecidos
comestíveis. Aqui, porém, vamos nos ater às relações amistosas
entre fungos e árvores.
Se uma espécie de árvore encontra um
fungo com um micélio adequado às suas raízes (por exemplo, o fungo
Lactarius quietus e o carvalho), ela pode multiplicar sua
superfície de raiz e captar muito mais água e nutrientes. Quando
isso acontece, a planta passa a receber o dobro de nutrientes
fundamentais (como o nitrogênio e o fósforo), em comparação com
espécimes que captam água e nutrientes do solo sem ajuda, apenas
com as próprias raízes.
Para fazer parceria com um dos milhares
de espécies de fungo, a árvore precisa ser muito aberta –
literalmente, pois os filamentos do fungo penetram as partes finas e
macias da árvore. Não existe pesquisa para descobrir se o processo
é doloroso, mas, como é do interesse da árvore, imagino que para
ela seja agradável. A partir daí eles trabalham em parceria. O
fungo penetra e cerca a raiz da árvore e expande sua rede pelo solo
do entorno. Com isso aumenta a área de atuação normal da raiz,
cresce na direção de outras árvores e se conecta com fungos
parceiros e as raízes às quais estão ligados. Dessa forma surge
toda uma rede de troca de nutrientes (veja o Capítulo 3) e até de
informações (por exemplo, sobre um ataque iminente de insetos).
Portanto, os fungos são como a internet
da floresta. E essa ligação também é necessária para eles, pois
dependem de nutrientes de outras espécies, característica que os
aproxima dos animais. Sem os nutrientes, eles morreriam de fome. Ou
seja, demandam da árvore um pagamento em forma de açúcar e outros
carboidratos. E não são muito conservadores nesse quesito: para
prestarem seus serviços, exigem até um terço de toda a produção.
Como dependem de outras espécies, eles
não deixam nada ao acaso e usam suas fibras delicadas para manipular
as pontas das raízes. Primeiro ouvem o que a árvore tem a dizer por
meio de suas estruturas subterrâneas. Se concluírem que a árvore é
útil, começam a produzir hormônios que orientam o crescimento
celular do vegetal de maneira favorável a eles.
Para obter açúcar, o fungo ainda
oferece alguns serviços adicionais. Um deles é a filtragem de
metais pesados, que prejudicam as raízes mas pouco os afetam. Então,
na Europa, todo outono essas substâncias vão parar nos belos
cogumelos comestíveis colhidos na floresta e levados para casa.
Dessa forma, é natural, por exemplo, que o césio radioativo ainda
existente no solo de Tchernóbil por causa da explosão nos reatores
em 1986 possa ser encontrado em concentrações mais altas nos
cogumelos. O pacote dos fungos também oferece serviços de saúde –
o micélio combate espécies intrusas, inclusive ataques de bactérias
ou outros fungos.
Desde que a relação seja benéfica,
fungos e árvores podem viver séculos em parceria. No entanto,
mudanças no ambiente (por exemplo, aumento da poluição) podem
representar o fim da linha para os fungos. Mas as árvores não
guardam muito tempo de luto e logo arranjam outra espécie que se
acomode a seus pés. Toda árvore tem várias opções de fungos e só
se vê numa situação grave quando fica sem nenhuma.
Os fungos, por sua vez, são mais
suscetíveis. Muitas espécies buscam a árvore adequada e, assim que
a encontram, se unem a ela para o que der e vier. Algumas têm
“preferências” e buscam, por exemplo, apenas bétulas ou
lariços. Outras, como o Cantharellus cibarius, se adaptam a
muitas espécies de árvore: não importa se vão se ligar a um
carvalho, uma faia ou um abeto, o importante é haver espaço livre
debaixo da árvore. E a concorrência é grande: nas raízes de um
único carvalho de floresta é possível encontrar pelo menos
vestígios de mais de 100 espécies de fungos. Para a árvore isso é
muito vantajoso, pois quando há mudanças climáticas e um fungo
deixa de beneficiá-la o candidato seguinte já está batendo à
porta.
No entanto, os pesquisadores também
descobriram que os fungos têm lá suas garantias. As tramas formadas
pelos micélios se ligam a árvores de diversas espécies. Para
chegar a essa conclusão injetaram carbono radioativo em uma bétula
e verificaram que a substância passou pelo solo e pelas ligações
entre fungos e foi parar em uma douglásia vizinha. Embora muitas
espécies de árvores travem lutas mortais e tentem reprimir umas às
outras até nas raízes, os fungos parecem mais preocupados com o
equilíbrio da floresta. Ainda não se sabe se com isso pretendem dar
suporte a árvores hospedeiras de outros fungos ou apenas a fungos
que podem estar precisando de ajuda (e que, por sua vez, estendem a
parceria à sua árvore).
Suspeito que os fungos “pensem” um
pouco mais que suas grandes parceiras. É fato que as diferentes
espécies de árvore lutam umas contra as outras. No entanto, supondo
que as faias possam alcançar a vitória na maioria das florestas,
isso seria mesmo uma vantagem para o fungo? O que aconteceria se, por
exemplo, um novo agente patogênico matasse a maioria das faias? Não
seria mais vantajoso haver um certo número de outras espécies?
Dessa forma carvalhos, bordos, freixos e pinheiros continuariam
existindo, crescendo e fornecendo as sombras sob as quais uma nova
geração de faias poderia germinar e se desenvolver. Essa
diversidade assegura a continuidade das florestas ancestrais.
Portanto, como os fungos também dependem de estabilidade, compensam
no subsolo quase todas as conquistas de uma espécie de árvore,
apoiando as “perdedoras” e evitando seu desaparecimento completo.
Se, mesmo com todo o suporte, a situação
se complicar para o fungo e sua árvore hospedeira, o fungo pode
tomar uma medida radical, como mostra o pinheiro da espécie Pinus
strobus com seu parceiro Laccaria bicolor, cogumelo de duas
cores que, em caso de falta de nitrogênio no solo, solta um veneno
que mata pequenos animais, como os colêmbolos, insetos que, ao
morrer, liberam o nitrogênio de seus corpos e se transformam em
adubo involuntário para a árvore e o fungo.
Já apresentei os ajudantes mais
importantes das árvores, mas ainda há uma série de outros. Por
exemplo, o pica-pau. Esta ave não chega a ser uma colaboradora de
fato, mas, ao se aproveitar das árvores, acaba ajudando-as. Por
exemplo, sempre que um besouro escotilíneo ataca as faias, elas
correm risco, e insetos se multiplicam com tanta rapidez que podem
matá-la em pouco tempo, pois se alimentam do câmbio da árvore. Se
um pica-pau da espécie Dendrocopos major
(pica-pau-malhado-grande) descobre o banquete, voa rapidamente até o
lugar, sobe pelo tronco e, assim como um pica-boi nas costas de um
ruminante, se alimenta das larvas, arrancando-as com o bico. A árvore
quase não sente, mas o golpe arranca pedaços de casca. Isso pode
até evitar que a faia sofra mais danos. E, mesmo quando a árvore
não sobrevive, outros espécimes da espécie ficam protegidos, pois
os besouros serão dizimados.
O pica-pau não está nem um pouco
interessado no bem-estar da árvore, o que é nítido pelas cavidades
onde fazem seus ninhos. Em geral, o pica-pau os constrói nos
espécimes saudáveis, e para isso precisa feri-los bastante. Ou
seja, mesmo que o pica-pau evite que muitas espécies de árvores
sofram com infestações (por exemplo, impede que o carvalho seja
infestado pelas larvas de besouro da família Buprestidae),
para a ave isso é secundário.
Os besouros podem representar um perigo
em anos secos, pois sem água a árvore perde a capacidade de se
defender de agressores. Quem pode salvá-la é o Pyrochroa
coccinea, percevejo vermelho que, quando adulto, se alimenta das
secreções do pulgão e da seiva das plantas sem causar danos. No
entanto, sua prole precisa de carne, e a consegue das larvas de
besouro que vivem sob a casca das árvores frondosas. Muitos
carvalhos sobrevivem graças a essa interação. No entanto, a
situação do percevejo pode se complicar: se todas as espécies de
besouros forem comidas, as larvas do Pyrochroa coccinea
começarão a atacar outros percevejos da mesma espécie.
Peter Wohllben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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