No dia seguinte, de madrugada, Zorba
enfiou-se na mina. Eles haviam avançado muito, galeria adentro do
bom veio, a água pingava do teto, os operários patinavam na lama
negra.
Zorba, há dois dias, havia feito
trazerem caibros para consolidar a galeria. Mas estava inquieto. Os
troncos não eram grossos como necessário, e com seu instinto
profundo, que o levava a sentir o que se passava nesse labirinto
subterrâneo como fosse seu próprio corpo, ele sabia que o madeirame
não era seguro; ele ouvia, leves ainda, rangidos imperceptíveis
para os outros, como se a armadura do teto gemesse sob o peso.
Outra coisa ainda aumentava a inquietação
de Zorba nesse dia: no momento em que ele se preparava para descer a
galeria, o padre da aldeia, o Padre Stefânio, passou em sua mula
dirigindo-se às pressas para dar os últimos sacramentos a uma
freira moribunda.
Zorba teve felizmente tempo de cuspir
três vezes no chão antes que o padre lhe dirigisse a palavra.
— Bom dia, padre! — respondeu ele,
entre os dentes cerrados, à saudação do padre.
E, em tom mais baixo:
— Tua maldição sobre mim — murmurou
ele.
Ele sabia, porém, que esses exorcismos
não eram suficientemente, e entrou de novo, nervoso, na galeria.
Um odor pesado de linhita e acetileno. Os
operários já haviam começado a consolidar os caibros e a sustentar
a galeria.
Zorba desejou-lhes bom dia, brusco,
enfarruscado; enrolou as mangas e se pôs a trabalhar.
Uma dezena de operários atacavam o veio
a golpes de picaretas, atiravam o carvão a seus pés, outros o
apanhavam com pás e, em pequenas carretas, o transportavam para
fora.
Subitamente Zorba parou, fez sinal aos
operários para fazerem o mesmo e apurou o ouvido. Como o cavaleiro
se confunde com o cavalo, formando com ele uma coisa só, como o
capitão com o seu navio, Zorba e a mina faziam uma coisa só; sentia
a galeria se ramificar como veias em suas carnes, e o que as massas
escuras de carvão não podiam sentir, Zorba o sentia com uma
consciente lucidez humana.
Tendo apurado sua grande orelha peluda,
ele escutava. Nesse momento eu cheguei. Como se tivesse tido um
pressentimento, como se uma mão me houvesse empurrado, acordei
sobressaltado. Vesti-me às pressas e pulei para fora, sem saber por
que me apressava tanto nem aonde ia; mas, meu corpo, sem hesitar,
havia tomado o caminho da mina. Cheguei exatamente na hora em que
Zorba, inquieto, apurava a orelha para escutar.
— Nada — disse ele ao fim de um
instante. — tive a impressão... ao trabalho, rapazes!
Voltou-se, viu-me, franziu os lábios:
— O que está fazendo aqui tão cedo,
patrão?
Aproximou-se de mim:
— Você não vai subir para tomar ar
puro, patrão? — soprou-me ele. — venha aqui em outra hora para
dar seu passeio.
— Que se passa, Zorba?
— Nada... eu tive uma impressão. Vi um
padre hoje de manhã cedo. Vá embora!
— Se há perigo, não seria vergonhoso
se eu fosse embora?
— Sim — respondeu Zorba.
— Você iria embora?
— Não.
— Então?
— As medidas que eu tomo para Zorba —
disse enervado, — não são as mesmas para os outros. Mas, se você
já viu que seria vergonhoso ir embora, não vá. Fique. Pior para
você!
Apanhou o martelo, se pôs na ponta dos
pés e começou a pregar com grandes pregos a sustentação do teto.
Tirei de um caibro uma lâmpada de acetileno, ia a vinha na lama,
olhando o veio marrom-escuro e brilhante. Florestas imensas haviam
sido engolidos, milhões de anos passaram, a terra mastigou, digeriu,
transformou suas crianças. As árvores se transformavam em linhita,
a linhita em carvão e Zorba chegou...
Recoloquei a lâmpada e olhei Zorba
trabalhar. Ele se entregava por inteira à tarefa; não tinha mais
nada na cabeça, se identificava com a terra, a picareta e o carvão.
Fazia corpo com o martelo e os pregos, para lutar contra a madeira.
Sofria com o teto da galeria que se arqueava. Lutava com toda a
montanha para tomar-lhe o carvão, pela astúcia, pela violência.
Zorba sentia a matéria com uma segurança infalível, e a atingia,
sem se enganar, onde ela era mais fraca e podia ser vencida. E, como
eu o via naquele momento, enfarruscado, cheio de pó, apenas com o
branco dos olhos que luziam, parecia-me que ele havia se camuflando
em carvão, se havia transformado em carvão, para poder mais
facilmente aproximar-se do adversário e penetrar em suas defesas.
— Vai em frente, Zorba! — gritei eu,
entusiasmado numa admiração ingênua.
Mas ele nem se virou. Como poderia
naquele momento se distrair com um camundongo comedor de papel que,
em vez de picareta, tinha na mão um miserável toco de lápis?
Estava ocupado, não se dignar falar. Não me fale enquanto estou
trabalhando, me disse ele uma noite, eu posso estourar. — estourar,
Zorba, por quê? — aí vem você com seus porquês! Como um garoto.
Como explicar? Estou todo dedicado ao trabalho, tenso, dos pés a
cabeça, colado na pedra ou no carvão ou então no santuri. Se você
me tocar nessa hora de repente, se você me fala e eu me volto, posso
estourar. Aí está!
Olhei meu relógio: dez horas.
— Já é tempo de comer alguma coisa,
meus amigos — disse eu. — vocês perderam a hora.
Os operários jogaram imediatamente suas
ferramentas em um canto, enxugaram o suor de seus rostos, se
preparando para sair da galeria. Zorba, inteiramente entregue ao
trabalho, não ouvira. E mesmo que tivesse escutado, não daria
resposta. Ele apurava de novo o ouvido, inquieto.
— Esperem — disse eu. — levem um
cigarro! Procurava em meus bolsos; em volta de mim os operários
aguardavam.
Subitamente, Zorba sobressaltou-se. Colou
a orelha na parede da galeria. À luz de acetileno eu distinguia sua
boca convulsivamente aberta.
— Que há com você, Zorba? — gritei.
Mas, nesse momento, o teto todo da
galeria estremeceu...
— Corram! — gritou Zorba com uma voz
rouca. — corram!
Nós nos atiramos em direção à saída;
mas não tínhamos atingido o primeiro vigamento quando um segundo
estalar se fez ouvir, ainda mais forte, sobre nossas cabeças. Zorba,
enquanto isso, estava erguendo um tronco de arvore para sustentar uma
viga que cedia. Se ele conseguisse fazê-lo rapidamente, talvez
pudesse sustentar por alguns segundos o teto, o que nos daria tempo
de escapar.
— Corram! — repetiu a voz de Zorba,
abafada dessa vez, como se saísse das entranhas da terra.
Todos, com a covardia que muitas vezes
toma conta dos homens nos momentos críticos, nos precipitamos para
fora, sem nos preocuparmos com Zorba. Mas ao fim de alguns segundos
refiz-me e lancei-me em sua direção.
— Zorba — gritei. — Zorba!
Pareceu-me ter gritado, mas em seguida vi
que o som não saíra de minha garganta. O medo me havia estrangulado
a voz.
A vergonha assaltou-me. Dei um passo para
trás e estendi o braço. Zorba havia acabado de consolidar a grossa
viga; escorrendo na lama, ele deu um pulo para a saída. Na meia
obscuridade, levado pelo impulso, ele se jogou contra mim. Sem
querer, caímos na lama um nos braços do outro.
— Vamos sair daqui! — disse ele com
uma voz estrangulada. — vamos embora!
Corremos e chegamos à luz. Os operários
reunidos na entrada espiavam, sem uma palavra, trêmulos.
Ouviu-se um segundo estalo, mais forte,
como o de uma árvore quebrada pela tempestade. Subitamente, um
rugido formidável soou, reboou como um trovão, estremeceu a
montanha, e a galeria desmoronou.
— Bondade divina! — murmuravam os
operários se persignando.
— Vocês deixaram as picaretas lá
dentro? — perguntou Zorba com cólera.
Os operários se calaram.
— Por que não as trouxeram? — gritou
ele, furioso. — é! Os corajosos se borraram! As ferramentas que se
danem!
— Essa não é hora de se preocupar com
as picaretas, Zorba — disse interrompendo. — ainda bem que todos
escaparam são e salvos. Devemos muito a você, Zorba. Graças a você
estamos vivos.
— Estou com fome! — disse Zorba. —
isso me abriu o apetite.
Pegou a marmita que continha o seu almoço
e que ele havia colocado sobre uma pedra, abriu-a, tirou pão,
azeitonas, cebolas, uma batata cozida, e uma garrafinha de vinho.
— Vamos, vamos comer, pessoal! —
disse ele de boca cheia.
Comia com avidez, às pressas, como se
tivesse bruscamente perdido muitas forças e quisesse agora
refazê-las.
Comia curvado, silencioso; apanhou a
garrafinha e fez correr o vinho por sua garganta ressecada.
Os operários tomara ânimo, abriram suas
marmitas e começaram a comer. Estavam todos sentados, de pernas
cruzadas, em volta de Zorba, e comiam olhando para ele. Teriam se
atirado a seus pés, beijando-lhes a mão, mas eles o sabiam brusco e
estranho, e nenhum ousava começar.
Por fim, Mequelis, o mais idoso, que
tinha grandes bigodes grisalhos, se decidiu e falou:
— Se você não estivesse lá, mestre
Alexis — disse ele, — nossos filhos seriam órfãos a essa hora.
— Cale a boca! — disse Zorba de boca
cheia, e ninguém ousou dizer mais uma palavra.
Nikos Kazantzakis, in Zorba, o Grego
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