quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Hipócrates

Hipócrates do Cós é o pai da medicina. Ainda lhe recorda 2500 anos depois pelo Juramento do Hipócrates (de que existe uma forma modificada que os estudantes de medicina pronunciam quando se licenciam). Mas, principalmente, lhe recorda por seus esforços por retirar o manto de superstição da medicina para levá-la à luz da ciência. Em uma passagem típica, Hipócrates escreveu: “Os homens acreditam que a epilepsia é divina, meramente porque não a podem entender. Mas se chamasse divino a tudo o que não podem entender, haveria uma infinidade de coisas divinas.” Em lugar de reconhecer que somos ignorantes em muitas áreas, tendemos a dizer coisas como que o universo está impregnado do inefável. atribui-se a responsabilidade do que ainda não entendemos a um Deus do ignorado. À medida que foi avançando o conhecimento da medicina a partir do século IV, cada vez era mais o que entendíamos e menos o que tínhamos que atribuir à intervenção divina: tanto nas causas como no tratamento da enfermidade. A morte no parto e a mortalidade infantil diminuíram, o tempo de vida aumentou e a medicina melhorou a qualidade de vida de milhões de pessoas em todo o planeta.
No diagnóstico da enfermidade, Hipócrates introduziu elementos do método científico. Exortava à observação atenta e meticulosa: “Não deixem nada à sorte. Controlem tudo. Combinem observações contraditórias, lhes conceda o tempo suficiente.” antes da invenção do termômetro, fez gráficas das curvas de temperatura de muitas enfermidades. Recomendou aos médicos que, a partir dos sintomas do momento, tentassem predizer o passado e o provável curso futuro de cada enfermidade. Dava grande importância à honestidade. Estava disposto a admitir as limitações do conhecimento do médico. Não mostrava nenhum recato em confiar à posteridade que mais da metade de seus pacientes tinham morrido por causa das enfermidades que ele tratava. Suas opções, certamente, eram limitadas; os únicos medicamentos de que dispunha eram principalmente laxantes, eméticos e narcóticos. Praticava-se a cirurgia e a cauterização. Nos tempos clássicos se fizeram avanços consideráveis até a queda de Roma.
Enquanto no mundo islâmico florescia a medicina, na Europa se entrou realmente em uma idade escura. Perdeu-se a maior parte do conhecimento de anatomia e cirurgia. Abundava a confiança na oração e as curas milagrosas. Desapareceram os médicos seculares. Usavam-se amplamente cânticos, poções, horóscopos e amuletos. Restringiram-se ou ilegalizaram a dissecação de cadáveres, o que impedia que os que praticavam a medicina adquirissem conhecimento de primeira mão do corpo humano. A investigação médica chegou a um ponto morto.

Carl Sagan, in O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela acesa no escuro

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