Como todos sabemos, comportamento
machista não é exclusividade masculina. Há homens machistas,
mulheres machistas, músicas machistas, livros machistas, doutrinas
machistas. Da mesma forma, o feminismo não é uma luta apenas das
mulheres. O feminismo não é o contrário de machismo, mas é a luta
por igualdade entre homens e mulheres. E isso interessa a todos nós.
A mentalidade machista mata, fere,
humilha e reprime mulheres todos os dias, em todos os cantos do
mundo. E nós precisamos lutar diariamente contra esse tipo de
comportamento, mesmo quando ele se apresenta de forma sutil,
disfarçado de piada, de pequena censura.
Mas não são só as mulheres que são
vítimas do machismo. Obviamente não estamos comparando dores nem
nivelando os potenciais das agressões. As maiores vítimas do
machismo sempre serão as mulheres. Mas talvez esteja na hora de
entendermos que a vida de todo mundo seria melhor sem ele.
Começa muito cedo. O antiquado “Menino
não chora” ainda circula por aí. Por vezes ele se traveste de
“Vai ficar chorando que nem uma menina?”. O machismo tenta enfiar
as lágrimas de volta nos olhos dos meninos, que já crescem com duas
ideias erradas: a de que eles não podem ter fragilidades e a de que
toda menina é frágil por natureza.
Depois os meninos são tolhidos nos
brinquedos. Uma menina jogando bola ou brincando de carrinho pode até
ser aceita (embora o mundo prefira vê-la com uma cozinha de plástico
cor-de-rosa). Mas um menino com uma Barbie jamais passará ileso. Um
menino que queira brincar de ser pai de uma boneca será motivo de
preocupação. Um menino com um bambolê. Um menino que se divirta
penteando cabelos.
Mais tarde são os cursos universitários:
nutrição, enfermagem, psicologia, pedagogia, design de interiores,
gastronomia? O machismo está pronto para mandá-los para a
engenharia, o direito e a administração de empresas. Nas profissões
não é diferente. Um amigo que estuda em Barcelona é excelente com
crianças, pensou em se oferecer para cuidar de algumas. Mas quem
aceitará “um” baby-sitter? Será um pedófilo? Um pervertido?
Além disso, misturam-se conceitos, associando profissões a
orientação sexual, e, de repente, o simples fato de um homem gostar
de cortar cabelos ou desenhar roupas já o torna gay aos olhos do
machismo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas o machismo é
muito burro.
O machismo convence o mundo de que um
homem deve sentir-se vexado por ganhar menos que uma mulher. Convence
o mundo de que um homem que abra mão da carreira para cuidar dos
filhos é um fracassado disfarçando sua incompetência profissional.
Convence-nos de que o homem, sexualmente, deve funcionar como uma
máquina que nunca poderá ter falha alguma, seja no porte, na
performance ou na vida útil. De que o homem precisa dirigir bem,
manobrar com facilidade, saber trocar pneu, desentupir ralo e trocar
resistência de chuveiro. De que o homem não deve usar antirrugas,
nem corretivo para acne e olheiras, nem filtro solar. De que o homem
não deve ter medo de barata, de escuro, de altura, de ficar
solteiro, de não poder ter filhos, de se aposentar e sentir-se
inútil.
O machismo não costuma matar homens (a
não ser que esse homem beije outro homem no meio da avenida
Paulista). O machismo prefere matar mulheres. O machismo odeia todas
as mulheres que não se encaixam em seu asqueroso e pobre padrão.
Mas também odeia os homens que não correspondem às suas tristes
expectativas. E reprime-os. Julga-os. Condena-os. Não os mata com
armas de fogo, não os espanca no chão da cozinha, não os violenta
nos becos escuros. Mas mata, sim, a cada dia, um pouco da sua
liberdade, da sua paz, dos seus sonhos.
Morte grande e sangrenta ou morte pequena
e sutil, somos todos vítimas do mesmo machismo. E a luta contra ele
é uma só: uma luta sem gênero, protagonizada por todos os que
sabem que não queremos seguir por caminhos trilhados por uma
mentalidade tão pobre, tão atrasada e tão carregada de ódio.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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