Certa vez fui dar aula sobre assédio
sexual num curso de pós-graduação em São Paulo. Cheguei à sala,
composta predominantemente por advogados, e perguntei: “Quem aqui
se considera feminista?” Silêncio. Uma moça levanta timidamente o
braço. Dois ou três caras fazem comentários baixinho e riem.
Falei: “Ok. Vou fazer duas leituras
rápidas para vocês.” Continuei:
“Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa: FEMINISMO: teoria que sustenta a igualdade política,
social e econômica de ambos os sexos.
Dicionário Jurídico da Professora Maria
Helena Diniz: FEMINISMO: movimento que busca equiparar a mulher ao
homem no que atina aos direitos, emancipando-a jurídica, econômica
e sexualmente.”
Esperei um pouquinho e mudei a pergunta:
“Quem aqui pode me dizer que NÃO se considera feminista?”
Ninguém levantou a mão.
Pois é. Tenho a sensação de que 99% do
mundo não entendeu até agora o que é feminismo. Porque, se as
pessoas entendessem, quase todo mundo teria orgulho de se dizer
feminista. E o melhor: dizer “Eu não sou feminista” seria
considerado algo mais feio do que dizer “Eu não gosto de filhote
de golden”.
Não vou perder tempo aqui dizendo que
feministas não são mulheres que não se depilam, não usam sutiã e
não transam. Primeiro porque ser feminista não tem a ver com ser
mulher, tem a ver com ser humano. Segundo porque nunca entendi que
raio os pelos têm a ver com posicionamentos ideológicos. Terceiro
porque sutiã serve para sustentar peitos, não para sustentar
ideias. E quarto porque já vi gente deixar de transar por causa da
igreja, por causa de promessa, por falta de opção, por infecção
ginecológica, problemas de ereção… Mas por feminismo nunca vi.
Alguém já viu?
Enfim. Acho que ser feminista não é bom
ou ruim. Ser feminista é necessário. Uma vez ouvi uma amiga dizer:
“A mulher que diz que nunca foi discriminada é apenas uma mulher
muito distraída.” É simples assim. Não precisamos ir até o
Oriente Médio. Não precisamos visitar tribos africanas. Não
precisamos ir ao sertão do Nordeste. Não precisamos ir até a
periferia de São Paulo. Não precisamos sair dos nossos bairros. O
machismo que limita, que agride, que marginaliza, que ofende, que
diminui, mora ao lado, dorme por perto.
E agora, quem poderá nos defender? O
feminismo. O mesmo feminismo que nos tornou civilmente capazes e
independentes perante a lei. O mesmo feminismo que nos possibilitou
votarmos e sermos votadas. O mesmo feminismo que segue lutando
diariamente por uma sociedade mais justa para mulheres, homens, mães,
pais, filhas, filhos, trabalhadoras e trabalhadores.
No século XIX, as brilhantes irmãs
Brontë escreviam usando pseudônimos masculinos por saberem que suas
obras não seriam aceitas na sociedade se os leitores soubessem que
as autoras eram mulheres. Se não fosse o feminismo eu provavelmente
também não estaria escrevendo aqui neste momento. Pelo menos não
como Ruth.
Nós precisamos falar sobre feminismo.
Com nossos amigos, nossos pais, nossos filhos, grandes ou pequenos. É
hora de falar sobre igualdade entre meninos e meninas. É hora de
falar que meninas podem jogar bola e ter carrinhos e que meninos
podem cuidar de bonecas. Quem não quer ter um filho feminista? Quem
não quer que eles vivam num mundo de igualdade, no qual nem meninos
nem meninas sejam massacrados pela truculência do machismo?
Em 2015 o tema da redação do Enem foi a
violência contra a mulher. Milhares de jovens tiveram que parar para
pensar sobre isso. Que avanço lindo. Pensar é sempre o primeiro
passo. Perceber que a questão existe, que o tema não é antiquado e
que, infelizmente, as questões de gênero estão muito longe de
serem superadas. A violência persiste, a discriminação no ambiente
de trabalho persiste, a desigualdade salarial persiste, a
discriminação com as tarefas domésticas persiste, as pequenas (e
não menos graves) agressões machistas do dia a dia persistem. Então
a luta tem que persistir.
O feminismo não é de esquerda nem de
direita. Não é só para mulheres nem é só para homens. Não é
ameaça. Não é um estranho. Mas perceba que quando você trata os
feministas na terceira pessoa do plural, excluindo-se deste rol, você
está afirmando não fazer parte do grupo que prega a igualdade de
oportunidades entre homens e mulheres. Pense bem de que lado você
quer estar.
Se você percebeu que é feminista, fique
tranquilo. Nós não contaremos para ninguém. Mas sabe? Se eu fosse
você, sairia contando para todo mundo. Porque ser feminista é
bonito, é importante, é sinal da inteligência e da decência de
qualquer ser humano. Como diz o lindo livrinho da nigeriana
Chimamanda Ngozi Adichie (leiam, ele é pequenino e indispensável):
Sejamos todos feministas. E o mundo será melhor a cada dia. Pode
apostar.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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