Deus seja louvado! Sinto-me ainda pronto
para partir em expedições quixotescas. No domingo nós nos
aprontávamos os dois como jovens noivos: barbeávamo-nos, púnhamos
uma camisa fresca e branca e íamos, no início da tarde, à casa de
Madame Hortência. Todos os domingos ela sangrava para nós uma
galinha e nós nos sentávamos os três para comer e beber; depois
Zorba estendia suas longas patas sobre os seios hospitaleiros da
senhora e tomava posse deles.
Quando caía à noite, voltávamos para
nossa praia, à vida nos parecia cheia de boas intenções, velha mas
muito agradável e acolhedora, como Madame Hortência.
Um domingo, voltando de um de nossos
copiosos banquetes, decidi falar e contar a Zorba meus projetos. Ele
me escutou, de boca aberta, obrigando-se a ter paciência. De vez em
quando apenas balançava vigorosamente com irritação sua cabeçorra.
Desde as primeiras palavras o vinho desapareceu de seu copo, e sua
mente aclarou-se. Quando terminei, arrancou nervosamente, dois ou
três fios de seu bigode.
— Com sua permissão, patrão — disse
ele, — tenho a impressão de que seu miolo não é muito
consistente, como deve ser um bom miolo. Que idade você tem?
— Trinta e cinco anos.
— Oh Diabo! Então vai ficar mole para
sempre.
E caiu no riso. Fiquei irritado:
— Você não acredita no homem? —
gritei-lhe.
— Não se zangue, patrão. Não, não
creio em nada. Se eu acreditasse no homem, teria que acreditar também
em Deus, e também no Diabo. E isso é muito complicado. As coisas
iam ficar difíceis, e me dar muita amolação.
Calou-se, tirou seu barrete, pôs-se a
coçar a cabeça com energia e arrancar fios do bigode como se
quisesse tirá-lo todo.
Queria dizer alguma coisa, mas se
continha. Olhou-me com o canto dos olhos, olhou fixamente, e
decidiu-se.
— O homem é uma fera! — gritou ele,
espancando com seu bastão as pedras do caminho. — uma grande fera.
Sua senhoria não sabe, ao que parece tudo foi fácil para você. Mas
pergunte a mim: uma fera, é o que lhe digo! Você é mau com ele:
ele lhe respeita e teme. Você é bom com ele: ele lhe arranca os
olhos. Guarde as distâncias, patrão, não dê demais aos homens.
Não vá lhes dizer que todos são iguais e todos têm os mesmos
direitos. Na mesma hora eles pisarão no seu direito, roubarão seu
pão e lhe deixarão morrer de fome. Guarde as distâncias, patrão,
pelo bem que lhe quero!
— Mas você não crê em nada, afinal?
— disse-lhe exasperado.
— Não! Eu não creio em nada, quantas
vezes quer que repita? Eu não creio em nada, nem em ninguém; só em
Zorba. Mas não porque Zorba seja melhor que ninguém, não. Em
absoluto. Ele é também uma fera. Mas eu acredito em Zorba porque
ele é o único que tenho em meu poder, o único que conheço; todos
os outros são fantasmas. É com meus olhos que enxergo, com minhas
orelhas que ouço, com minhas tripas que faço a digestão. Todos os
outros para mim são fantasmas. Quando morrer eu, morre tudo. O mundo
zorbesco inteirinho ruirá totalmente.
— E você fala de egoísmo —
disse-lhe eu sarcástico.
— Não posso fazer nada, patrão! Veja,
é assim: comi favas, falo favas. Sou Zorba, falo Zorba.
Não disse nada. As palavras de Zorba
caíram sobre mim como chicotadas. Eu o admirei por ser assim, forte,
de poder desprezar os homens a esse ponto e, ao mesmo tempo, ter um
tamanho desejo de viver e de trabalhar entre eles. Em seu lugar, eu
me teria feito ermitão ou teria que enfeitar os homens com plumas
para poder suportá-los. Zorba virou-se e me olhou. À claridade das
estrelas vi sua boca, que num sorriso unia as orelhas.
— Ficou aborrecido, patrão? — disse
ele, parando subitamente.
Tínhamos chegado ao barracão. Zorba
olhou-me com ternura e inquietude.
Não respondi. Sentia que meu espírito
estava de acordo com Zorba, mas meu coração resistia, queria sair,
escapar da fera e abrir um caminho.
— Não tenho sono, Zorba. Vá
deitar-se.
As estrelas cintilavam, o mar suspirava e
lambia as conchas, um vaga-lume acendeu sobre seu ventre a luzinha
erótica. Os cabelos da noite escorriam de orvalho.
Deitei-me de costas e mergulhei no
silêncio, sem pensar em nada. À noite, o mar e eu fizemo-nos uma
coisa só, e eu sentia minha alma como uma vaga-lume com seu ventre
iluminado de ouro-verde, que havia pousado sobre a terra e esperava.
As estrelas caminhavam, as horas passavam
— e quando me levantei tinha, não sei como, gravada em mim a dupla
tarefa que deveria cumprir nessa praia:
Escapar de Buda, desembaraçar-me nas
palavras de todas as preocupações metafísicas e liberar minha alma
de uma vã angústia.
Estabelecer, a partir desse momento, um
contato profundo e direto com os homens.
Talvez, disse comigo mesmo, ainda haja
tempo.
Nikos Kazantzakis, in Zorba, o Grego
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