— Pai — perguntou o menino —, o que
é “flete”?
— “Flete”? Tem certeza de que a
palavra é essa mesmo?
— Tenho. Parece que é uma coisa
antiga.
— Ah — disse o pai, sorrindo com a
lembrança. — Deve ser “flit”. Se dizia “flite”. Era um,
sei lá. Inseticida. Contra mosca e mosquito. Espalhava-se pela casa
com uma bomba.
— Um tipo de “spray”?
— Na época não se dizia “spray”.
Era bomba mesmo.
— E as pessoas respiravam o ar com
“flete”?
— “Flite”. É. Bem não devia
fazer. Aliás, acho que a minha geração deu no que deu de tanto
respirar “flite” quando criança. Está explicada a crise
brasileira.
— Não deve ser isso — disse o filho.
— Não existe nada chamado “flete”?
A mãe entrou na conversa.
— Deve ser “flerte”.
— Isso! “Flerte”. O que era?
Mãe e pai se entreolharam. O que era,
mesmo, “flerte”?
— “Flerte” era namoro — tentou o
pai.
— Não era bem namoro — disse a mãe.
— Era uma espécie de pré-namoro. Podia dar em namoro ou não. Eu,
por exemplo, mesmo antes de conhecer seu pai, já flertava com ele.
— Eu não sabia disso.
— Cachorro!
— Mas como era “flerte”? — quis
saber o filho.
— “Flertar” era olhar.
— Só olhar?
— Não. Olhar de uma certa maneira.
Demonstrando interesse.
— Você, por exemplo — disse o pai —,
quando está interessado numa garota, o que faz?
— Eu chego pra ela e digo “cumé?”.
— Pois o “flerte” era o “cumé”
da nossa época. Só que levava mais tempo.
— Quanto tempo, mais ou menos?
— Bom, seu pai e eu flertamos quase um
ano. Depois namoramos quatro, noivamos um... e casamos.
— Putz. — Eu não entendo essa sua
irritação, meu filho.
— É que, se não fosse esse ano de
“flerte”, hoje eu já estava livre do serviço militar!
Luís Fernando Veríssimo, in O santinho
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