domingo, 2 de maio de 2021

O “flete”

Pai — perguntou o menino —, o que é “flete”?
— “Flete”? Tem certeza de que a palavra é essa mesmo?
Tenho. Parece que é uma coisa antiga.
Ah — disse o pai, sorrindo com a lembrança. — Deve ser “flit”. Se dizia “flite”. Era um, sei lá. Inseticida. Contra mosca e mosquito. Espalhava-se pela casa com uma bomba.
Um tipo de “spray”?
Na época não se dizia “spray”. Era bomba mesmo.
E as pessoas respiravam o ar com “flete”?
— “Flite”. É. Bem não devia fazer. Aliás, acho que a minha geração deu no que deu de tanto respirar “flite” quando criança. Está explicada a crise brasileira.
Não deve ser isso — disse o filho. — Não existe nada chamado “flete”?
A mãe entrou na conversa.
Deve ser “flerte”.
Isso! “Flerte”. O que era?
Mãe e pai se entreolharam. O que era, mesmo, “flerte”?
— “Flerte” era namoro — tentou o pai.
Não era bem namoro — disse a mãe. — Era uma espécie de pré-namoro. Podia dar em namoro ou não. Eu, por exemplo, mesmo antes de conhecer seu pai, já flertava com ele.
Eu não sabia disso.
Cachorro!
Mas como era “flerte”? — quis saber o filho.
— “Flertar” era olhar.
Só olhar?
Não. Olhar de uma certa maneira. Demonstrando interesse.
Você, por exemplo — disse o pai —, quando está interessado numa garota, o que faz?
Eu chego pra ela e digo “cumé?”.
Pois o “flerte” era o “cumé” da nossa época. Só que levava mais tempo.
Quanto tempo, mais ou menos?
Bom, seu pai e eu flertamos quase um ano. Depois namoramos quatro, noivamos um... e casamos.
Putz. — Eu não entendo essa sua irritação, meu filho.
É que, se não fosse esse ano de “flerte”, hoje eu já estava livre do serviço militar!

Luís Fernando Veríssimo, in O santinho

Nenhum comentário:

Postar um comentário