segunda-feira, 8 de março de 2021

O piano

Depois de meses de espera chegou o piano de minha mãe. Foi a notícia mais importante naquele dia igual aos outros. Já mencionei que os almanaques, entre todas as informações importantes que registravam, informavam o número de pianos que havia nas cidades. Por que não o número de violões e clarinetas? Nos censos modernos, para se avaliar a qualidade de vida de uma família, são pedidas informações sobre geladeiras, máquinas de lavar roupa, telefones, computadores. Tais objetos são índices da situação econômica de uma família. Pois os pianos, naqueles tempos, eram índices de grande importância. Pianos eram instrumentos de música fina, importados de Paris. Assim, o grau de cultura de uma cidade podia ser avaliado pela quantidade de pianos que nela havia. Em Minas, Juiz de Fora era a cidade que tinha mais pianos. Murilo Mendes a chamava de “a cidade dos pianos”. Foi lá que minha mãe adolescente completou a sua cultura pianística. Daí a importância daquele dia. Boa Esperança subia em importância cultural. Um piano novo, importado de Paris, havia chegado. Na casa do Diano, filho da dona Sophia. Chamaram um marceneiro para desencaixotar o piano. O povo se aglomerou fora da casa. O marceneiro, consciente da importância daquele evento, chegou com sua caixa de ferramentas vestido de fraque.

Rubem Alves, in O velho que acordou menino

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