sexta-feira, 19 de março de 2021

Meia-noite – A amurada do castelo de proa

[Stubb e Flask montados sobre a amurada, passando amarras suplementares nas âncoras ali penduradas.]

Não, Stubb; bata o quanto quiser nesse nó, mas você nunca vai conseguir enfiar na minha cabeça o que acabou de dizer. E quanto tempo se passou desde que você disse exatamente o contrário? Não disse certa vez que todo navio no qual Ahab navegue deveria pagar um extra na apólice de seguro, tal como se estivesse carregado de barris de pólvora na popa e caixas de fósforos luciféricos na proa? Pare, agora: você não disse isso?”
Pois bem, e se tivesse dito? E daí? Mudei grande parte do meu corpo desde então; por que não mudaria de ideia? Além disso, caso estejamos carregados com barris de pólvora na popa e fósforos na proa, com que diabos iriam os fósforos pegar fogo com toda essa surriada alagando aqui? Sim, meu homenzinho, você tem os cabelos bem vermelhos, mas não poderia pegar fogo agora. Dê uma sacudida; você é Aquário, Flask, carregador de água; bem podia encher jarros com a gola do seu casaco. Não vê, pois, que por esses riscos extras as companhias de Seguro Marítimo têm garantias extras? Aqui há hidrantes, Flask. Mas escute, que vou responder mais uma coisa. Antes tire a perna de cima do cepo da âncora aqui para que eu possa passar o cabo; e agora escute. Qual é a grande diferença entre segurar o pára-raios de um mastro na tempestade e ficar perto de um mastro que não tem nenhum pára-raios numa tempestade? Não vê, seu ignorante, que nenhum dano pode suceder ao que segura o pára-raios se o mastro não for atingido antes? Do que você está falando, então? Não chega a haver um navio em cem que leve pára-raios, e Ahab – sim, marinheiro, e todos nós –, a gente não está em perigo maior, na minha simples opinião, do que todas as tripulações dos dez mil navios que agora estão navegando nos mares. Ora, King-Post, você gostaria que todos os homens do mundo andassem com um pequeno pára-raios na ponta do chapéu, como a pena espetada de um oficial de milícia, e o fio arrastando-se como um talabarte? Por que você não pondera, Flask? É fácil ser ponderado; por que você não tenta, então? Qualquer homem que tenha apenas a metade de um olho pode ser ponderado.”
Não sei, Stubb. Às vezes é bem difícil.”
Sim, quando um sujeito está ensopado, fica difícil ser ponderado, isso é um fato. E estou encharcado com essa surriada. Não importa; pegue a volta e passe-a. Parece-me que estamos amarrando estas âncoras agora como se nunca mais fossem ser usadas. Atar estas duas âncoras aqui, Flask, é como atar as mãos de um homem pelas costas. E que grandes mãos generosas são estas, de fato. São os seus punhos de aço, hein? Que capacidade de segurar eles têm! Pergunto-me, Flask, se o mundo está ancorado em algum lugar; se estiver, ele balança com um cabo excepcionalmente grande. Isso, martele esse nó de uma vez e terminamos. Assim; depois de pisar em terra, descer ao convés é a melhor coisa que existe. Você poderia torcer as abas da minha jaqueta? Muito obrigado. Ridicularizam as capas compridas, Flask; mas, na minha opinião, sempre devemos usar capas com caudas compridas nas tormentas de alto-mar. As caudas que se afilam desse modo servem para drenar a água, vê? O mesmo se dá com os tricórnios; os bicos formam calhas no beiral da empena, Flask. Não quero mais jaquetas de marinheiro e oleados; queria usar um fraque e vestir uma pele de castor, assim. Lá vai! Uau! Lá se vai o meu oleado ao mar; Senhor, Senhor, como os ventos que vêm do céu podem ser tão mal-educados! É uma noite péssima, rapaz.”

Herman Melville, in Moby Dick

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