sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Faixa

Para Claudia Mello

Alguém disse que, para sua idade, ela estava ótima. Impressionante. Ninguém dizia, parecia até oito, dez anos a menos. As amigas da filha se admiram. A mãe delas não é tão jovial assim. Jovial, ela pensa. Jovial é a velha que tem espírito jovem. Nenhum jovem é jovial.
O médico disse: na sua faixa de idade, é isso e isso e isso o que se espera, entende? Ela não ficou feliz. Não queria pertencer a uma faixa. Esticava a pele no espelho, vendo como era seu rosto de antes. Ficava feio, artificial.
Experimentou tirar uma fotografia de si mesma rindo. Contou quarenta e oito rugas embaixo e nas laterais dos olhos, mais no lado esquerdo do que no direito. Será por ser canhota?
Ela ficava olhando as fotos antigas, o rosto liso, o sorriso de quem não desconfia de que a velhice virá um dia, e com ela o sorriso da morte e dos netos, o passado promissor e o futuro inviável. Nas fotos de agora, essas de celular, seu olhar, mesmo quando sorria, não esperava mais nada. Não havia a pupila saltando para a frente, uma credulidade. Faria uma plástica, um preenchimento, adiantaria?
Ainda não era bem velha. Era de meia-idade. Odiava esse “meia”, igual à “faixa”. Uma senhora. Conservada, enxuta. Soava como se ela estivesse acondicionada em um pacote a vácuo, cuja validade expiraria em “x” anos; ou como um daqueles produtos que, quando abertos, fazem um barulho do ar saindo e então tudo murcha dentro da embalagem.
Que ela não exagerasse, os filhos diziam. Ainda tinha tanto tempo pela frente, era tão produtiva, que não chorasse de barriga cheia.
Mas e umas manchas marrons nas mãos e nas pernas? Quem iria contá-las junto com ela, a quem dizer que não é nada disso, não a morte nem a velhice, mas a vida, a vida mesmo, a face do tempo nas comissuras da boca, que caem, formando bolsas nas laterais das bochechas, ter chegado ao meio, a dois terços, três quartos, não sei, ter se estabelecido, os filhos grandes e a velhice por aguardar, uma velhice tranquila, o sucesso, os frutos colhidos do que se plantou, as dívidas pagas, tempo de receber, é justo, afinal você já fez tanto, agora os outros é que vão te reconhecer, a quem contaria a tristeza dessa plenitude? Com quem dividir a angústia dos provérbios enfim confirmados?

Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou

Nenhum comentário:

Postar um comentário