Ela decidiu abrir o restaurante já na
manhã seguinte ao enterro. Quando Itamar ouviu isso, simplesmente
explodiu. “Faz só uma hora que você enterrou o seu marido e já
precisa correr para vender çorba?” Não temos çorba no cardápio,
Itamar, Maja disse com tranquilidade, “e não tem absolutamente
nada a ver com dinheiro. Tem a ver com pessoas. É melhor para mim
ficar com clientes no restaurante do que em casa, sozinha.” “Mas
foi você que insistiu para que não cumpríssemos a shivá do luto”,
irritou-se Itamar. “Você disse que não queria todo esse
aborrecimento...” “Não foi pelo aborrecimento”, Maja
protestou. “Não se cumpre a shivá por pessoas que doam o corpo
para a ciência. É um fato. Quando o pai de Horoshovsky morreu,
ninguém...” “Dá um tempo, mamãe”, Itamar a interrompeu, “sem
essa de Horshovsky, Shiferman e de Sra. Pintshevski da rua Bialik 21.
Deixa essa gente toda fora disso. Só nós, está bem? Você acha
justo abrir o restaurante logo no dia seguinte à morte de papai,
como se fosse uma coisa normal?” “Sim”, Maja insistiu, “no
meu coração não será uma coisa normal, mas, para os que vêm ao
restaurante, sim. Seu pai pode estar morto, mas o negócio está
vivo.” “O negócio está morto também”, Itamar disse, rangendo
os dentes. “Está morto há anos”. “Nem um cachorro entra lá.”
No hospital, quando comunicaram que
Gideon tinha morrido, ela não chorou. Mas depois do que Itamar
disse, sim. Não perto dele, naturalmente; todo o tempo em que ele
permaneceu lá, ela manteve as aparências. Mas assim que ele saiu,
ela chorou feito um bebê. “Isto não significa que eu não seja
uma boa esposa”, convenceu-se entre soluços. “Estou muito mais
abalada com a morte de Gideon do que com as coisas que Itamar disse,
mas de insulto é muito mais fácil chorar.” Era verdade.
Desde que se mudaram para a praça
Atarim, realmente a frequência diminuíra. Ela sempre se opusera à
mudança, mas Gideon dizia que aquela era a grande oportunidade
deles, “a oportunidade única na vida”. E, desde então, toda vez
que brigavam, ela o lembrava daquela “oportunidade única na vida”,
e agora que ele estava morto, não havia mais a quem lembrar.
Ela e o tailandês ficaram sentados no
restaurante vazio por três horas sem trocar uma palavra. O tailandês
gostava muito de Gideon, que tinha muita paciência com ele.
Costumava lhe explicar por horas como fazer o tsholent e o guefilte,
e toda vez que o tailandês estragava alguma coisa e Maja deixava
escapar um “pshakref cholera”, Gideon se apressava em
acrescentar, “Não faz mal, não faz mal.” Se não aparecerem
clientes até as três, vou fechar, ela pensou. Não só hoje. Para
sempre. Duas pessoas no negócio é diferente. Quando está lotado,
há alguém para ajudar, e quando não, ao menos há com quem falar.
“Você OK?”, perguntou o tailandês, e Maja anuiu e tentou
sorrir. Talvez até antes mesmo das três. Ela simplesmente fecharia
e iria embora.
Eles eram um pouco menos de vinte, e
assim que pararam na entrada e olharam o cardápio pendurado na
porta, ela soube que haveria confusão. O que entrou primeiro era
gigante, mais do que uma cabeça maior do que ela, de cabelo prateado
e sobrancelhas grossas como um tapete. “Está aberto?”, ele
perguntou, e ela hesitou por um instante, mas, até conseguir
responder, o restaurante já estava cheio de unhas com esmalte roxo e
dourado, cheiro forte de vodca e gritos de crianças. Ela e o
tailandês juntaram algumas mesas e, quando ela se aproximou com o
cardápio, o grandalhão lhe disse, “Não precisa agora, senhora,
não precisa. Só, por favor, prato, garfo e faca para todos.”
Somente quando arrumou os pratos com o
tailandês é que ela percebeu as caixas de piquenique. Tiraram delas
comida e garrafas de bebida e começaram a encher os pratos. Sem
vergonha alguma. Se Gideon estivesse vivo, ele os poria porta afora,
mas ela nem tinha força para dizer algo. “Agora venham, sentem
conosco e comam”, o altão ordenou, e Maja fez sinal para que o
tailandês se sentasse com eles à mesa e, sem muita vontade, fez o
mesmo. “Beba, senhora”, disse o altão, “beba”, e encheu o
copo dela de vodca. “Hoje é dia especial.” E quando ela lhe
lançou um olhar interrogativo, ele acrescentou com uma piscada,
“Hoje é dia que nós descobrimos seu restaurante e de seu colega
japonês. Por que você não comer?”
A comida que eles trouxeram era saborosa,
e depois de um trago ou dois Maja já não se importou com a
grosseria deles. Mesmo não tendo pedido nada e sujado toda a louça,
ela se alegrou por terem vindo e preenchido tudo com seus gritos e
risadas. Ao menos assim, ela não precisou ficar sozinha. Beberam à
saúde dela, ao sucesso do restaurante, e até à saúde de Gideon.
Por alguma razão que não conseguiu entender, Maja contou que ele se
encontrava no exterior a negócios. Beberam, então, à saúde dos
negócios de Gideon no exterior e à saúde de Josef, assim eles
chamavam o tailandês, à saúde da família dele, e depois brindaram
ao país. E Maja, já um pouco embriagada, tentou lembrar quantos
anos tinham se passado desde a última vez em que fizera um brinde ao
país. Depois que acabaram tudo o que havia nas caixas, o altão
perguntou o que ela achava da comida deles, e Maja disse que era
ótima. “Beleza”, o homem sorriu. “Fico feliz. E agora, por
favor, o cardápio daqui.” No primeiro instante Maja não entendeu
o que ele queria, talvez por causa da vodca, mas o altão se apressou
em explicar: “Você se sentou conosco e comeu nossa comida. Agora é
hora de sentar com você e comer sua comida.”
Pediram do cardápio, como se nada
tivessem comido, e comeram vorazmente. Saladas, sopas, carnes, e até
sobremesa. Se ela soubesse que iriam pedir, não teria bebido tanto.
Mas apesar do álcool, talvez, na verdade, por causa dele, o trabalho
na cozinha foi fácil e agradável. Até Josef, que parecia ainda
mais bêbado do que ela, não estragou nada. “Sua comida é
apetitosa, senhora”, disse o altão ao tirar a carteira para pagar.
“Muito gostosa, até melhor do que a nossa.” E quando acabou de
contar as notas e as colocou na mesa, acrescentou, “Seu marido,
quando volta do exterior?” Maja hesitou um instante antes de
responder, e depois disse que ainda não era certo e que tudo
dependia dos negócios dele por lá. “Viajou e deixou mulher assim
sozinha?” o altão disse em tom desaprovador mesclado de tristeza,
“Isto não é bom.” E Maja, que queria muito dizer que era bom,
que tudo estava bem, de verdade, e que estava se ajeitando muito bem,
viu-se concordando com ele e sorrindo, como se os seus olhos não
brilhassem com lágrimas.
Etgar Keret, in De repente, uma batida na porta
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