quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Meus cinquenta centavos no bolso

          Na escola Chelsey tudo continuava na mesma. Uma turma de veteranos havia se formado, mas seus lugares foram ocupados por uma nova turma de veteranos com carros esportivos e roupas de luxo. Eles nunca me confrontavam. Deixavam-me em paz, me ignoravam. Estavam ocupados correndo atrás de garotas. Jamais falavam com os caras pobres, dentro ou fora da sala de aula.
Na primeira semana de aula do meu segundo semestre, falei com meu pai na hora da janta.
Veja – eu disse –, a coisa está difícil lá na escola. Você me dá cinquenta centavos por semana. Poderia aumentar para um dólar?
Um dólar?
Sim.
Colocou uma garfada de conserva de beterraba na boca e mastigou. Então me olhou sob o cenho carregado por suas sobrancelhas crespas.
Se eu lhe der um dólar por semana isso significará 52 dólares por ano, ou seja, terei que trabalhar uma semana inteira apenas para que você possa ter uma mesada.
Não respondi. Mas pensei, meu Deus, se você seguir essa linha de raciocínio, item por item, então acabará não comprando nada: pão, melancia, jornais, farinha, leite ou espuma de barbear. Eu não disse mais nada porque, quando você sente ódio, a última coisa que deseja é suplicar...
Aqueles caras ricos gostavam de passar zunindo em seus carros, pra lá e pra cá, velozmente, dando cavalinhos de pau, cantando pneus, seus carros faiscando sob os raios de sol enquanto as garotas se amontoavam em volta. As aulas eram uma piada, todos estavam a caminho de uma universidade qualquer, as aulas eram apenas uma rotina divertida, eles tiravam boas notas, você raramente os via com livros, você só os encontrava cantando mais e mais pneus, arrancando com seus carros abarrotados de garotas sorridentes. Eu os observava com meus cinquenta centavos no bolso. Eu sequer sabia como guiar um carro.
Enquanto isso, os pobres e os fracassados e os idiotas continuavam se agrupando ao meu redor. Havia um lugar em que eu gostava de comer debaixo das arquibancadas do campo de futebol. Trazia minha lancheira marrom com meus dois sanduíches à bolonhesa. Eles se aproximavam:
Ei, Hank, podemos comer com você?
Deem o fora daqui, seus fodidos! E não vou avisar duas vezes!
Tipos demais dessa espécie já tinham se achegado a mim. Não me importava muito com eles: Carequinha, Jimmy Hatcher, e um garoto judeu, magro e desajeitado, Abe Mortenson. Mortenson só tirava notas máximas, mas era um dos maiores idiotas da escola. Havia alguma coisa radicalmente errada com ele. Não parava de produzir saliva na boca, mas em vez de cuspi-la no chão, para se ver livre do incômodo, cuspia nas mãos. Não sei por que ele fazia esse tipo de coisa e também não perguntei. Eu não gostava de fazer perguntas. Apenas observava, enojado. Uma vez voltei com ele para casa e descobri como ele conseguia seus “As”. A mãe o obrigava a enfiar o nariz num livro assim que ele chegava e ela o mantinha ali. Ela o fazia ler os livros didáticos, um após o outro, página por página.
Ele precisa passar nos exames – ela me disse.
Nunca ocorreu a ela que talvez os livros estivessem errados. Ou que talvez isso não tivesse a menor importância. Contudo, nada lhe perguntei.
Era novamente como no ensino fundamental. Reunidos ao meu redor estavam os fracos em vez dos fortes, os feios em vez dos belos, os perdedores em vez dos vencedores. Era como se meu destino fosse cruzar a vida em companhia deles. Isto não me incomodava tanto quanto o fato de que para esses cretinos, para esses companheiros idiotas, eu era um cara irresistível. Eu era como um monte de bosta que atraía moscas em vez de ser uma flor desejada por borboletas e abelhas. Eu queria viver sozinho, me sentia melhor assim, mais limpo; no entanto, eu não era esperto o suficiente para me livrar deles. Talvez eles fossem meus mestres: pais de outra maneira. De qualquer forma, era duro aguentá-los ao meu redor enquanto comia meus sanduíches à bolonhesa.

Charles Bukowski, in Misto-Quente

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