Conta-se que quando Arraxíd se voltou
contra os barmécidas e os eliminou todos, proibiu os poetas de
fazerem poesias que chorassem essa família, e ordenou que se
vigiasse o cumprimento dessa ordem. Então um vigia, passando por
algumas ruínas, viu certo homem com uma poesia que lamentava os
barmécidas. O homem recitava a poesia e chorava. O vigia o prendeu e
o levou ao palácio do califa Arraxíd, a quem descreveu a cena. O
califa determinou que aquele homem fosse conduzido à sua presença,
questionou-o a respeito e o homem confessou.
Arraxíd lhe perguntou:
— Você por acaso não ouviu que eu
proibi que eles fossem lamentados? Agora, de fato, irei puni-lo e
castigá-lo severamente.
O homem respondeu:
— Ó comandante dos crentes, se você
me autorizar, eu lhe contarei a história que me levou a fazer isso.
Depois, aja conforme melhor lhe parecer.
O califa respondeu:
— Fale.
O homem então contou a sua história.
— Eu era o mais jovem e humilde dos
escribas do vizir barmécida Yahya bin Khálid. Certo dia, ele me
disse:
— Eu gostaria que você me
recepcionasse em sua casa um dia desses.
Respondi:
— Estou aquém disso, meu amo. Minha
casa não serve para tanto!
Ele respondeu:
— É absolutamente imperioso que você
me receba em sua casa!
Eu disse:
— Se for mesmo absolutamente imperioso,
dê-me um prazo para que eu melhore a minha situação e possa
arrumar a casa; depois disso, aja conforme melhor lhe parecer.
Ele perguntou:
— Prazo de quanto?
Respondi:
— Um ano.
Ele disse:
— É muito.
Eu disse:
— Alguns meses.
Ele disse:
— Sim.
Comecei então a arrumar a casa para
deixá-la em condições de receber a visita. Quando as condições
estavam prontas, informei o vizir a respeito. Ele me disse:
— Amanhã estaremos em sua casa.
Fui então ajeitar a comida e a bebida
que fossem necessárias. O vizir apareceu no dia seguinte com seus
filhos Jâ‘far e Alfadl e um pequeno grupo de seus particulares
seguidores. Desmontou de sua montaria, bem como seus filhos Jâ‘far
e Alfadl, e me disse:
— Fulano, estou com fome. Rápido,
traga alguma coisa!
Seu filho Alfadl me disse:
— O vizir aprecia galetos assados;
traga rápido o que estiver preparado.
Entrei e arranjei alguns galetos, e o
vizir e seus acompanhantes comeram. Em seguida, começou a passear
pela casa e me disse:
— Abra toda a sua casa para nós,
fulano!
Respondi:
— Meu amo, esta é a minha casa. Não
tenho outra.
Ele me disse:
— Nada disso, você tem outra!
Respondi:
— Por Deus que não possuo senão esta
casa.
Ele disse:
— Tragam-me um pedreiro!
Quando o pedreiro se apresentou, ele lhe
disse:
— Abra uma porta nesta parede.
O pedreiro foi cumprir a sua ordem. Eu
disse:
— Meu amo, como pode ser correto abrir
uma porta para as casas dos vizinhos? Deus não recomendou que se
tratasse bem o vizinho?
Ele respondeu:
— Não haverá problema nisso.
A porta foi aberta na parede. O vizir e
seus filhos entraram por ela, e eu entrei junto. A porta dava para um
belo jardim repleto de árvores, em meio ao qual a água escorria.
Havia nele aposentos e cômodos que extasiariam quem quer que os
observasse; também continha móveis, colchões, criados e criadas,
tudo formoso e estupendo. Ele disse:
— Esta moradia e tudo quanto ela contém
lhe pertence.
Beijei-lhe então as mãos e roguei por
ele. Averiguei depois a história e descobri que, desde o dia em que
me falara do convite, ele enviara emissários para comprar as
propriedades vizinhas a mim, mandando construir aquela bela
residência e dotando-a de tudo, sem o meu conhecimento. Eu vira a
construção, mas supusera que pertencesse a algum vizinho. O vizir
disse ao seu filho Jâ‘far:
— Meu filho, eis aqui uma casa com
crianças. De onde provirá seu sustento?
Jâ‘far respondeu:
— Eu lhe concedo os rendimentos da vila
tal e tal com tudo quanto ela contém, e lavrarei um documento a
respeito.
Então o vizir se voltou para o seu filho
Alfadl e lhe disse:
— Meu filho, a partir de agora até o
momento em que a vila começar a render, de onde ele irá tirar
recursos para gastar?
Alfadl respondeu:
— Por minha conta, terá dez mil
dinares que trarei para ele.
O vizir disse aos dois:
— Providenciem rapidamente o que
disseram.
O jovem continuou contando ao califa:
— Jâ‘far registrou a vila em meu
nome e Alfadl me trouxe o dinheiro. Enriqueci e minha condição se
elevou; depois disso, ganhei muito dinheiro, sobre o qual eu me
revolvo até hoje. Por Deus, ó comandante dos crentes, não perco
nenhuma oportunidade de louvá-los e rogar por eles, em
reconhecimento pela generosidade que tiveram para comigo, já que não
poderei retribuir-lhes à altura. Se for me matar por isso, faça
como melhor lhe parecer.
Harun Arraxíd se enterneceu com aquilo,
libertou o homem e autorizou, a quem quisesse, lamentar os barmécidas
com poesias.
Mamede Mustafa Jarouche (trad.), in Histórias para ler sem pressa
Nenhum comentário:
Postar um comentário