Na idade em que me encontro pode-se
falar, sem problemas, em chefe, IPVA, rodízio – de veículos e de
carne –, chá de cozinha, relatório, afilhado, celulite, bônus,
contas a pagar, paquera, risoto, cachaça.
Mas será que a expressão “melhor
amigo” não deveria ter ficado no passado, na mesma época em que
deixamos palavras como recreio, ficante, fichário, matinê,
branquinho, grafite 0.7, cantina, lição de casa, 1ºB?
Deveríamos, então, para ser pessoas
maduras, ter padronizado as relações, chamando todos simplesmente
de amigos, diferenciando, no máximo, aqueles que são meros colegas?
Se for assim, então peço licença para
renunciar à minha maturidade.
“Melhor amigo” e “melhor amiga”
não saem do meu vocabulário nem sob tortura.
Amigos são uma maravilha.
Indispensáveis. O tempero da vida. Mas sejamos justos: alguns amigos
não podem ser apenas mais uma pessoa querida na lista da nossa vida.
Alguns precisam de destaque. Merecem um posto privilegiado. Um título
de honra, acima do bem e do mal.
Porque quando a gente se refere a eles
para um estranho, é preciso dizer “melhor amigo” para colocá-los
no seu devido lugar. Eles não são iguais aos outros, por melhores
que os outros sejam.
Porque amigo é quem diz “Te ajudo a
resolver isso”. Melhor amigo diz “Vamos resolver isso”.
Porque amigo vai estar lá quando você
chamar. Melhor amigo vem sem você pedir.
Porque amigo te ouve. Melhor amigo te lê.
Porque pra amigo você conta. Melhor
amigo já sabe.
Porque a gente tem um amigo que é o
melhor para conversar sobre trabalho. Outro sobre livros. Outro sobre
dinheiro. Outro sobre viagens. Mas sobre a nossa vida, nossos rumos e
nossas decisões, sobre o que realmente importa… É ele. Não tem
outro.
E não importa se vocês seguiram rumos
completamente diferentes: um casou e outro vive na noite, um trabalha
no mercado financeiro e outro faz doutorado sobre libélulas, um mora
em Osasco e outro em Berlim. Não importa. Existe uma identidade que
nenhuma mudança da vida pode abalar.
É um afeto consolidado, imune a
tempestades e ventanias. E acima de tudo: imune ao tempo.
Melhor amigo é uma das poucas coisas da
vida que não tem medo do tempo. As paixões têm medo do tempo, as
carreiras também, assim com as peles e os sonhos. Mas se é melhor
amigo, é completamente atemporal.
Estar com ele é como voltar a estar com
aquilo que somos de verdade. É quando estamos despidos de qualquer
máscara que o dia a dia nos impõe e que, por vezes, esquecemos de
tirar ao chegar em casa.
Lembra do anjinho da consciência? É o
melhor amigo. E o diabinho da consciência? Também. Melhor amigo é
aquele que já é, inevitavelmente, a gente também. É a
personificação do quão difícil é, por vezes, identificar a linha
tênue que separa o “eu” do “outro”.
Nem sempre o melhor amigo é um só. Tem
o melhor amigo de infância, de faculdade, do trabalho, do bairro.
Não importa. Se recebe o título de “melhor amigo”, é porque é
O CARA. Não tem discussão.
E, se para ser um verdadeiro adulto é
preciso abrir mão disso – que é mais do que uma mera expressão,
é uma condição de vida –, aqui estou eu, do alto de toda a minha
imaturidade, para falar, de peito aberto, sem nenhum constrangimento,
que nos meus melhores amigos vida adulta nenhuma vai poder mexer. São
irredutíveis, inegociáveis, inabaláveis. São a infantilidade
escancarada da qual vou sempre me orgulhar.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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