No que diz respeito à educação dos
filhos, penso que se deva ensinar a eles não as pequenas virtudes,
mas as grandes. Não a poupança, mas a generosidade e a indiferença
ao dinheiro; não a prudência, mas a coragem e o desdém pelo
perigo; não a astúcia, mas a franqueza e o amor à verdade; não a
diplomacia, mas o amor ao próximo e a abnegação; não o desejo de
sucesso, mas o desejo de ser e de saber.
No entanto fazemos frequentemente o
contrário: apressamo-nos a ensinar o respeito pelas pequenas
virtudes, fundando sobre elas todo nosso sistema educativo. Desse
modo, escolhemos a via mais cômoda: porque as pequenas virtudes não
apresentam nenhum perigo material, ao contrário, nos mantêm ao
abrigo dos golpes da sorte. Descuidamos de ensinar as grandes
virtudes, apesar de amá-las, e gostaríamos que nossos filhos as
assimilassem: mas nutrimos a confiança de que elas emergirão
espontaneamente de seu espírito, num dia futuro, considerando-as de
natureza instintiva, ao passo que as outras, as pequenas, nos parecem
fruto de reflexão e cálculo, e por isso pensamos que devam ser
absolutamente ensinadas.
Na verdade a diferença é só aparente.
As pequenas virtudes provêm igualmente do fundo de nosso instinto,
de um instinto de defesa: mas nelas a razão fala, sentencia,
disserta, como um brilhante advogado da integridade pessoal. As
grandes virtudes jorram de um instinto em que a razão não fala, um
instinto ao qual me seria difícil dar um nome. E o melhor de nós
está nesse instinto mudo, e não em nosso instinto de defesa, que
argumenta, sentencia e disserta com a voz da razão.
A educação não é outra coisa senão
um certo vínculo que estabelecemos entre nós e nossos filhos, certo
clima no qual florescem os sentimentos, os instintos, as ideias. Ora,
creio que um clima todo inspirado no respeito às pequenas virtudes
resulte insensivelmente em cinismo, ou no medo de viver. Em si
mesmas, as pequenas virtudes não têm nada a ver com o cinismo ou
com o medo de viver: mas todas juntas, e sem as grandes, geram uma
atmosfera que leva àquelas consequências. Não que as pequenas
virtudes sejam, em si mesmas, desprezíveis: mas seu valor é de
ordem complementar, e não substancial; elas não podem estar sós,
sem as outras, e são — quando desacompanhadas — um pobre
alimento para a natureza humana. O modo de exercitar as pequenas
virtudes, em medida temperada e quando for de todo indispensável, o
homem pode encontrá-lo em torno de si e bebê-lo no ar: porque as
pequenas virtudes são de uma ordem bastante comum e difusa entre os
homens. Mas as grandes virtudes, essas não se respiram no ar: e
devem ser a primeira substância da relação com nossos filhos, o
primeiro fundamento da educação. Além disso, o grande também pode
conter o pequeno: mas o pequeno, por lei natural, não pode jamais
conter o grande.
Não ajuda em nada buscarmos recordar e
imitar, nas relações com nossos filhos, os modos com que nossos
pais nos educaram. A época de nossa infância e juventude não era
um tempo de pequenas virtudes: era um tempo de palavras fortes e
sonoras, que pouco a pouco, porém, perdiam sua substância. Agora é
um tempo de palavras flébeis e frígidas, sob as quais talvez
refloresça o desejo de uma reconquista. Mas é um desejo tímido e
cheio de temor do ridículo. Assim nos revestimos de prudência e
astúcia. Nossos pais não conheciam nem prudência nem astúcia; não
conheciam o medo do ridículo; eram inconsequentes e incoerentes, mas
nunca se davam conta; frequentemente se contradiziam, mas nunca
admitiam ser contestados. Usavam conosco de uma autoridade que
seríamos completamente incapazes de usar. Convictos de seus
princípios, que supunham indestrutíveis, reinavam sobre nós com
poder absoluto. Éramos ensurdecidos por palavras tonitruantes; um
diálogo era impossível, porque assim que suspeitavam que haviam
errado nos mandavam calar a boca; batiam o punho na mesa, fazendo a
sala tremer. Recordamos aquele gesto, mas não saberíamos imitá-lo.
Podemos ficar furiosos, uivar feito lobos; mas no fundo de nossos
uivos de lobo há um soluço histérico, um rouco balido de cordeiro.
Portanto não temos autoridade: não
temos armas. A autoridade, em nós, seria uma hipocrisia e uma
ficção. Somos demasiado conscientes de nossa fraqueza, demasiado
melancólicos e inseguros, demasiado conscientes de nossas
inconsequências e incoerências, demasiado conscientes de nossos
defeitos: olhamos dentro de nós com muita demora e vimos em nós
coisas demais. E, como não temos autoridade, devemos inventar uma
outra relação.
Hoje, que o diálogo se tornou possível
entre pais e filhos — possível, embora sempre difícil, sempre
cheio de cautelas recíprocas, de recíproca timidez e inibição —,
é preciso que nós, nesse diálogo, nos revelemos tal como somos,
imperfeitos, e confiantes de que eles, nossos filhos, não se pareçam
conosco, que sejam mais fortes e melhores que nós.
Como estamos todos premidos, de uma
maneira ou de outra, pelo problema do dinheiro, a primeira pequena
virtude que nos ocorre ensinar aos nossos filhos é a poupança.
Damos a eles um mealheiro, explicando como é bom guardar o dinheiro
em vez de gastá-lo, de modo que, após alguns meses, haja ali um bom
montinho de moedas; e como é bom resistir à vontade de gastar para,
ao final, poder comprar um objeto de valor. Recordamos que, em nossa
infância, ganhamos de presente um mealheiro igual; mas esquecemos
que, no tempo de nossa infância, o dinheiro e o gosto de conservá-lo
eram algo menos horrível e sujo que hoje: porque quanto mais o tempo
passa, mais o dinheiro é sujo. Então o mealheiro é o nosso
primeiro erro: instalamos em nosso sistema educativo uma pequena
virtude.
Aquele pequeno cofre de barro, de aspecto
inócuo, em forma de pera ou de maçã, passa a morar meses e meses
no quarto de nossos filhos, que se habituam à presença dele; se
habituam ao prazer de introduzir, dia a dia, o dinheiro na fenda; se
habituam ao dinheiro guardado lá dentro, que ali, em segredo e no
escuro, cresce como uma semente no seio da terra; se afeiçoam ao
dinheiro, primeiro com inocência, como nos afeiçoamos a todas as
coisas que crescem graças ao nosso zelo, plantinhas ou pequenos
animais; e sempre imaginando aquele objeto caro, visto numa vitrine,
que poderemos comprar — como nos disseram — com o dinheiro
poupado. Quando finalmente o cofre é quebrado, e o dinheiro, gasto,
os meninos se sentem sós e frustrados; não há mais dinheiro no
quarto, guardado no ventre da maçã, e já não há nem mesmo a
rósea maçã: em vez disso, há um objeto por muito tempo imaginado
na vitrine, do qual nós louvamos a importância e o valor, mas que
agora, ali no quarto, parece cinzento e sem graça, murcho após
tanta espera e tanto dinheiro. Os meninos não culparão o dinheiro
por essa desilusão, mas o próprio objeto: porque o dinheiro perdido
conserva na memória suas promessas vãs. Os meninos pedirão um novo
cofre e mais dinheiro para guardar; e dedicarão ao dinheiro
pensamentos e uma atenção que deveriam estar voltados para outras
coisas. Preferirão o dinheiro às coisas. Não faz mal que tenham
sofrido uma desilusão; faz mal que se sintam sozinhos sem a
companhia do dinheiro.
Não deveríamos ensiná-los a poupar:
deveríamos habituá-los a gastar. Deveríamos dar-lhes com
frequência alguns trocados, pequenas somas sem importância, e
incentivá-los a gastar logo, como bem quiserem, seguindo um capricho
momentâneo: os meninos comprarão alguma miudeza, que esquecerão
logo, assim como se esquecerão do dinheiro gasto tão depressa e sem
pensar, ao qual não chegaram a afeiçoar-se. Quando tiverem nas mãos
essas miudezas, que serão logo quebradas, os meninos vão ficar um
pouco decepcionados, mas rapidamente esquecerão tanto o desgosto com
as miudezas quanto o dinheiro; aliás, associarão o dinheiro a algo
de momentâneo e estúpido; e pensarão que o dinheiro é estúpido,
como é justo pensar durante a infância.
É justo que os meninos vivam os
primeiros anos de sua vida ignorando o que é o dinheiro. Às vezes
isso é impossível, se formos muito pobres; e às vezes é difícil,
se formos muito ricos. Contudo, quando somos muito pobres, quando o
dinheiro está estritamente ligado a um fato de sobrevivência
cotidiana, a uma questão de vida ou morte, ele se traduz tão
imediatamente aos olhos de um menino em comida, lenha ou pão, que
não tem meios de arruinar-lhe o espírito. Porém, se formos assim,
assim, nem ricos nem pobres, não será difícil deixar que um menino
viva sua infância sem saber bem o que é o dinheiro e sem se
interessar minimamente por ele. No entanto, nem muito cedo nem muito
tarde, é preciso acabar com essa ignorância; e, se tivermos
dificuldades econômicas, é necessário que nossos filhos, nem muito
cedo nem muito tarde, tenham conhecimento disso; assim como é justo
que a certa altura eles compartilhem conosco nossas preocupações,
nossos motivos de contentamento, nossos projetos e tudo o que
concerne à vida familiar. E, habituando-os a considerar o dinheiro
como algo que pertence igualmente a nós e a eles, e não mais a nós
que a eles, ou o contrário, também podemos convidá-los a serem
sóbrios, a estarem atentos ao dinheiro que gastam; e desse modo o
convite à poupança deixa de ser respeito às pequenas virtudes, um
convite abstrato a ter respeito por uma coisa que não merece
respeito por si, como o dinheiro; mas é recordar aos meninos que o
dinheiro de casa não é muito, um convite a sentirem-se adultos e
responsáveis diante de uma coisa que pertence tanto a nós quanto a
eles, uma coisa não particularmente bela nem amável, mas séria,
porque está ligada às nossas necessidades cotidianas. Mas não
muito cedo nem muito tarde: o segredo da educação está em
adivinhar os tempos.
Ser sóbrio consigo mesmo e generoso com
os outros: isto significa ter uma relação justa com o dinheiro,
estarmos livres diante do dinheiro. E não há dúvida de que, nas
famílias em que o dinheiro é ganho e prontamente gasto, em que
escorre como água limpa da fonte e, praticamente, não existe como
dinheiro, é menos difícil educar um jovem para esse equilíbrio,
para essa liberdade. As coisas se tornam complicadas ali onde o
dinheiro existe e existe pesadamente, água de chumbo, estagnada, que
exala miasmas e odores. Rapidamente os jovens percebem a presença
desse dinheiro na família, como uma potência oculta, de que nunca
se fala em termos claros, mas à qual os pais aludem, conversando
entre si, com nomes complicados e misteriosos, com uma plúmbea
fixidez nos olhos, com uma ruga amarga na boca; dinheiro que não é
simplesmente guardado na gaveta do escritório, mas campeia sabe-se
lá onde, podendo a qualquer momento ser sugado pela terra, sumindo
sem remédio para sempre, engolindo a família e a casa. Em famílias
como essas, os jovens são continuamente advertidos a gastar com
parcimônia, todo dia a mãe os incita à atenção e à economia,
quando lhes dá o trocado para o bonde; e há no olhar da mãe aquela
preocupação de chumbo, aquele profundo vinco na fronte, que sempre
surge quando o assunto é dinheiro; há o obscuro terror de que todo
o dinheiro se desmanche no nada, de que até os poucos trocados
possam significar as primeiras migalhas de um desmoronamento súbito
e mortal. Os jovens dessas famílias não raro vão à escola com
roupas puídas e sapatos gastos, e precisam suspirar longamente, às
vezes em vão, por uma bicicleta ou uma máquina fotográfica,
objetos que alguns colegas certamente mais pobres possuem há tempos.
E quando finalmente a bicicleta que desejam lhes é dada, o presente
é acompanhado da severa recomendação de não estragar nem
emprestar a ninguém um objeto tão luxuoso, que custou tanto
dinheiro. Os apelos à economia, em casa, são perenes e insistentes:
a ordem é comprar os livros da escola em sebos, e os cadernos, no
Standard. Isso ocorre em parte porque os ricos muitas vezes são
avaros, porque se acham pobres; mas sobretudo porque as mães das
famílias ricas, mais ou menos conscientemente, têm medo das
consequências do dinheiro e procuram proteger seus filhos, forjando
em torno deles uma ficção de hábitos simples, acostumando-os até
a pequenas privações. Mas não há pior erro que fazer um jovem
viver em tal contradição; o dinheiro fala em qualquer canto, na
casa, sua linguagem inconfundível; está presente nas porcelanas, na
mobília, na prataria pesada, está presente nas viagens
confortáveis, nas férias luxuosas, nos cumprimentos do porteiro, na
cerimônia dos criados; está presente nas falas dos pais, é a ruga
na testa do pai, a profunda perplexidade no olhar materno; o dinheiro
está em toda parte, intocável porque talvez terrivelmente frágil,
algo com que não se pode brincar, um deus fúnebre ao qual não se
pode dirigir senão num sussurro; e, para honrar esse deus, para não
molestar sua lutuosa imobilidade, é preciso usar o casaco do ano
anterior, que ficou curto, e estudar a lição em livros
desencadernados e sebosos, e divertir-se com a bicicleta do camponês.
Se, sendo ricos, quisermos ensinar a
nossos filhos hábitos simples, deve ficar bem claro que todo
dinheiro poupado com esses hábitos deverá ser gasto sem parcimônia
com outras pessoas. Hábitos como esses só fazem sentido se não
forem avareza ou temor, mas livre escolha da simplicidade em meio à
riqueza. Um jovem de família rica não aprende a sobriedade porque o
fazem vestir roupas velhas, ou porque o fazem comer maçãs verdes na
merenda, ou porque é privado de uma bicicleta que deseja há muito
tempo: essa sobriedade em meio à riqueza é pura ficção, e as
ficções são sempre deseducativas. Desse modo ele aprenderá apenas
a avareza e o medo do dinheiro. Privando-o de uma bicicleta desejada
e que poderíamos presentear-lhe, só faríamos frustrá-lo numa
coisa legítima para um garoto, só faríamos tornar sua infância
menos feliz em nome de um princípio abstrato, sem justificativa na
realidade. E, tacitamente, estaríamos afirmando diante dele que o
dinheiro é melhor que uma bicicleta; no entanto, é preciso que ele
saiba que uma bicicleta é sempre melhor que o dinheiro.
A verdadeira defesa da riqueza não é o
medo da riqueza, de sua fragilidade e das viciosas consequências que
pode trazer: a verdadeira defesa da riqueza é a indiferença ao
dinheiro. Para ensinar a um jovem essa indiferença, não há outro
meio senão lhe dar dinheiro para gastar, quando houver dinheiro:
para que aprenda a se afastar dele sem sofrimento ou remorso. Podem
me dizer que, assim, um jovem se habituará a ter dinheiro para
gastar e já não poderá viver sem ele; se amanhã não for mais
rico, como vai ser? Mas é mais fácil não ter dinheiro quando já
aprendemos a gastá-lo, quando aprendemos como ele voa depressa de
nossas mãos; é mais fácil prescindir do dinheiro quando já o
conhecemos bem do que quando lhe tributamos reverência e medo na
infância, quando pressentimos sua presença no ar sem que nos tenham
permitido erguer os olhos para fixá-lo.
Assim que nossos filhos começam a ir à
escola, nós imediatamente lhes prometemos, se estudarem bem, um
prêmio em dinheiro. É um erro. Assim misturamos o dinheiro, que é
uma coisa sem nobreza, com algo meritório e digno, como o estudo e o
prazer do conhecimento. O dinheiro que damos aos nossos filhos
deveria ser dado sem motivo; deveria ser dado com indiferença, para
que aprendam a recebê-lo com indiferença; e deve ser dado não para
que aprendam a amá-lo, mas para que aprendam a não amá-lo, a
compreender seu verdadeiro caráter, sua impotência em satisfazer os
desejos mais autênticos, que são os do espírito. Elevando o
dinheiro à função de prêmio, de ponto de chegada, de objetivo a
ser alcançado, nós lhe conferimos um lugar, uma importância, uma
nobreza que não deve ter aos olhos dos nossos filhos. Afirmamos
implicitamente o princípio — falso — de que o dinheiro é a
coroação de um esforço e seu escopo último. Entretanto o dinheiro
deveria ser concebido como a retribuição por um esforço; não sua
finalidade, mas sua recompensa, isto é, seu legítimo crédito: e é
evidente que os esforços escolares dos meninos não podem receber um
pagamento. É um erro menor — mas é um erro — oferecer dinheiro
aos filhos em troca de pequenos serviços domésticos, de pequenas
tarefas. É um erro porque nós não somos empregadores dos nossos
filhos; o dinheiro familiar é tanto deles quanto nosso: aqueles
pequenos serviços, aquelas pequenas tarefas não deveriam ter
nenhuma recompensa, mas ser uma colaboração voluntária na vida
familiar. E, em geral, creio que se deva ter muita cautela ao se
prometer e aplicar prêmios e punições. Porque a vida raramente
terá prêmios e punições: no mais das vezes os sacrifícios não
têm nenhum prêmio, e frequentemente as más ações não são
punidas, mas, ao contrário, lautamente recompensadas com sucesso e
dinheiro. Por isso é melhor que nossos filhos saibam desde a
infância que o bem não é recompensado, nem o mal recebe castigo;
todavia é preciso amar o bem e odiar o mal — e a isso não é
possível dar nenhuma explicação lógica.
Costumamos dar uma importância ao
rendimento escolar de nossos filhos que é totalmente infundada. E
também isso não é senão respeito pela pequena virtude do sucesso.
Deveria bastar-nos que não ficassem muito atrás dos outros, que não
fossem reprovados nos exames; mas não nos contentamos com isso;
deles queremos o sucesso, queremos que satisfaçam nosso orgulho. Se
forem mal na escola, ou se simplesmente não forem tão bem quanto
pretendemos, logo erigimos entre eles e nós a barreira do
descontentamento permanente; adotamos diante deles o tom de voz
rabugento e lamentoso de quem se queixa de uma ofensa. Aí nossos
filhos, entediados, se afastam de nós. Ou então os apoiamos em seus
protestos contra os professores que não os entenderam, colocando-nos
ao lado deles como se fossem vítimas de uma injustiça. E todo dia
corrigimos seus deveres de casa, ou melhor, nos sentamos junto deles
quando fazem as tarefas, estudando com eles a lição. Na verdade,
para um garoto, a escola deveria ser desde o início a primeira
batalha a enfrentar sozinho, sem nossa ajuda; desde o início deveria
estar claro que aquilo é seu campo de batalha, onde não lhe podemos
dar mais que um socorro esporádico e irrisório. E se lá ele sofre
injustiças ou é incompreendido, é preciso deixá-lo entender que
não há nada de estranho nisso, porque na vida devemos esperar
continuamente a incompreensão e o descaso, e ser vítimas de
injustiças: a única coisa que importa é não cometermos, nós
mesmos, injustiças. Compartilhamos os sucessos ou insucessos de
nossos filhos porque gostamos deles, do mesmo modo e na mesma medida
com que eles compartilham, no processo de se tornarem adultos, nossos
sucessos ou insucessos, nossas alegrias ou preocupações. É falso
que eles, diante de nós, tenham a obrigação de serem bons na
escola e de dar ao estudo o melhor de si. Seu único dever perante
nós, visto que os introduzimos ao estudo, é seguir adiante. Se não
quiserem dar o melhor de si na escola, mas em outras coisas que os
apaixonem — coleção de besouros ou o estudo da língua turca —,
é uma escolha deles, e não temos nenhum direito de recriminá-los,
de nos mostrarmos feridos no orgulho, frustrados em nosso desejo. Se
por ora eles não dão mostras de querer gastar suas capacidades em
nada, passando dias na escrivaninha mastigando uma caneta, nem neste
caso temos o direito de reprová-los em demasia: quem sabe o que nos
parece ócio seja na realidade fantasia e reflexão que, amanhã,
talvez deem seus frutos. Se parecem desperdiçar o melhor de suas
energias e de seu talento jogados num sofá, lendo romances
estúpidos, ou correndo desenfreados num gramado atrás da bola,
ainda assim não podemos saber se realmente se trata de desperdício
de energia e de talento ou se até isso, amanhã, de alguma maneira
que agora ignoramos, dará seus frutos. Porque infinitas são as
possibilidades do espírito. Mas não devemos nos deixar tomar —
nós, pais — pelo pânico do insucesso. Nossas repreensões devem
ser como rajadas de vento ou um temporal: violentos, mas logo
esquecidos; nada que possa obscurecer a natureza de nossas relações
com os filhos, turvando-lhes a limpidez e a paz. Estamos aí para
consolar nossos filhos, caso um fracasso os faça sofrer; estamos aí
para lhes dar coragem, se um insucesso os mortificar. Também estamos
aí para fazê-los baixar a crista, caso um sucesso lhes suba à
cabeça. Estamos aí para reduzir a escola a seu humilde e estreito
limite; nada que possa hipotecar o futuro; uma simples oferta de
instrumentos, entre os quais talvez seja possível escolher um de que
se orgulhar no futuro.
Na educação, o que deve estar no centro
de nossos afetos é que nossos filhos nunca percam o amor à vida.
Esse sentimento pode tomar formas diversas, e às vezes um jovem
desinteressado, solitário e esquivo não sofre de desamor à vida ou
de opressão pelo medo de viver, mas simplesmente está num estado de
espera, concentrado em preparar-se para a própria vocação. E o que
é a vocação de um ser humano senão a mais alta expressão de seu
amor à vida? Então devemos esperar, ao lado dele, que sua vocação
desperte e ganhe corpo. Sua atitude pode parecer a da toupeira ou da
lagartixa que fica imóvel, fingindo-se de morta: mas na realidade
fareja e escruta o rastro do inseto, sobre o qual se lançará num
salto. Ao lado dele, mas em silêncio e um pouco à parte, devemos
esperar o estalo de seu espírito. Não devemos pretender nada; não
devemos pedir ou esperar que seja um gênio, um artista, um herói ou
um santo; no entanto devemos estar preparados para tudo; nossa
expectativa e paciência devem conter a possibilidade do mais alto e
do mais modesto destino.
Uma vocação, a paixão ardente e
exclusiva por algo que não tenha nada a ver com o dinheiro, a
consciência de ser capaz de fazer uma coisa melhor que os outros, e
amar essa coisa acima de tudo, é a única possibilidade de um garoto
rico não ser minimamente condicionado pelo dinheiro, de ser livre
diante do dinheiro: de não sentir em meio aos demais nem orgulho
pela riqueza, nem vergonha por ela. Ele nem se dará conta das roupas
que usa, dos costumes que o circundam, e amanhã poderá passar por
qualquer privação, porque a única fome e a única sede serão,
nele, sua própria paixão, que devorará tudo o que é fútil e
provisório, despojando-o de todo hábito ou atitude contraído na
infância, reinando sozinha em seu espírito. Uma vocação é a
única saúde e riqueza verdadeiras do homem.
Que possibilidades nos são dadas de
despertar e estimular em nossos filhos o nascimento e o
desenvolvimento de uma vocação? Não dispomos de muitas; entretanto
talvez haja algumas. O nascimento e o desenvolvimento de uma vocação
demandam espaço: espaço e silêncio — o livre silêncio do
espaço. A relação que intercorre entre nós e nossos filhos deve
ser uma troca viva de pensamentos e sentimentos, mas também deve
compreender largas zonas de silêncio; deve ser uma relação íntima,
sem no entanto misturar-se violentamente com a intimidade deles; deve
ser um justo equilíbrio entre silêncio e palavras. Devemos ser
importantes para os nossos filhos e, contudo, não demasiado
importantes; devemos fazer com que gostem de nós, mas não demais:
para que não queiram se tornar idênticos a nós, imitar-nos no
ofício que fazemos, buscar nossa imagem nos companheiros que
escolherão para sua vida. Com eles devemos manter uma relação de
amizade: contudo não devemos ser excessivamente amigos, para que
eles não tenham dificuldades em fazer verdadeiros amigos, aos quais
possam dizer coisas que silenciam conosco. É preciso que sua busca
por amigos, sua vida amorosa, sua vida religiosa, a busca por uma
vocação sejam circundadas de silêncio e sombra, que se desenvolvam
apartadas de nós. Nesse caso, podem me dizer que nossa intimidade
com os filhos se reduziria a pouca coisa. Mas em nossa relação com
eles deve estar contido tudo isso em linhas gerais, quer a vida
religiosa, quer a vida intelectual, quer a vida afetiva e o
julgamento sobre os seres humanos; devemos ser para eles um simples
ponto de partida, oferecer-lhes o trampolim de onde darão o salto. E
devemos estar ali para qualquer socorro, caso seja necessário; eles
devem saber que não nos pertencem, mas nós, sim, pertencemos a
eles, sempre disponíveis, presentes no quarto ao lado, prontos a
responder como pudermos a qualquer pergunta possível, a qualquer
pedido.
E, se nós mesmos tivermos uma vocação,
se não a traímos, se continuamos a amá-la no decurso dos anos, a
servi-la com paixão, podemos manter longe do coração, no amor que
sentimos por nossos filhos, o sentimento de posse. Porém, se não
tivermos uma vocação, ou se a tivermos abandonado e traído por
cinismo, ou medo de viver, ou um amor paterno mal compreendido, ou
por uma pequena virtude que se instala em nós, então nos agarramos
aos nossos filhos como um náufrago ao tronco da árvore, pretendemos
vigorosamente que nos devolvam tudo o que lhes demos, que sejam
absoluta e implacavelmente tais como nós os queremos, que obtenham
da vida tudo o que nos faltou; terminamos pedindo a eles tudo o que
somente nossa vocação nos pode dar: queremos que sejam em tudo uma
obra nossa, como se, por tê-los procriado uma vez, pudéssemos
continuar procriando-os pela vida inteira. Queremos que eles sejam
nossa obra em tudo, como se fossem não seres humanos, mas obra do
espírito. Porém, se tivermos em nós uma vocação, se não a
renegamos nem traímos, então podemos deixá-los germinar
tranquilamente fora de nós, circundados da sombra e do silêncio que
o brotar de uma vocação e de um ser requer. Esta talvez seja a
única oportunidade real que temos de ajudá-los em alguma medida na
busca de uma vocação: termos nós mesmos uma vocação, conhecê-la,
amá-la e servi-la com paixão, porque o amor à vida gera amor à
vida.
Natalia Ginzburg, in As pequenas virtudes
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