Gosto
de armar quebra-cabeças. Nome errado. Eles não quebram a minha
cabeça. Ao contrário, põem a minha cabeça no lugar. Nome mais
apropriado deveria ser “junta-cabeças”. Todas as atividades que
implicam arrumar, armar, juntar, montar, tecer têm uma função
terapêutica. Elas ativam processos organizatórios das emoções e
das ideias. Juntando as peças do meu junta-cabeça sobre a mesa vou
juntando as peças do meu junta-cabeça interno. Pois eu comprei um
de 1000 peças. Lindo cenário: céu azul, montanhas cobertas de
neve, florestas... Comecei a armar. Mas o tempo era curto. A
construção progredia lentamente. Especialmente naquelas partes de
uma cor só. Fui ficando desanimado. Deixei as peças espalhadas
sobre a mesa da sala por mais de um mês. Aí eu percebi que Deus
estava me ajudando. O junta-cabeça estava se formando sem a minha
intervenção. Pensei logo: “Miracolo!”. Algum anjo,
talvez... Que nada. Era a Jai que me ajuda, dois dias por semana,
arrumando as minhas bagunças. Aí começamos a fazer apostas: quem
colocaria mais peças. Chegando ao final, não tive coragem de pôr a
última peça. Deixei que ela gozasse o prazer do triunfo! O que me
impressionou foi a inteligência da Jai. Porque as atividades
necessárias para se armar um junta-cabeça colocam em ação uma
série de potências intelectuais, que incluem a imaginação, a
identificação gestáltica de padrões até a abstratíssima função
lógica de identificar ângulos, linhas e tamanhos. Pensei que a Jai
pode ser muito mais que uma faxineira. Ela só tem o segundo ano
primário. Animei-a a continuar os estudos. Ela está se preparando
para fazer o supletivo. Quanto ao junta-cabeça de 1000 peças está
de novo na caixa, até que me disponha a medir forças com ele de
novo.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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