Objeto espacial caído em Anapurus - MA
O
fragmento de satélite artificial — só podia ser de satélite —
caído sobre o povoado transformou de repente a vida dos moradores,
que não chegavam a trezentos.
Repórteres
e cinegrafistas cobriram o fato com o maior relevo. Não houve
ninguém que deixasse de dar entrevista: mesmo as crianças.
O
fiscal do governo apareceu para recolher o pedaço de coisa inédita,
mas foi obstado pelo juiz de paz, que declarou aquilo um bem da
comunidade. A população rendeu guarda ao objeto, e jurou defender
sua posse até o último sopro de vida.
A
força policial enviada para manter a ordem aderiu aos moradores,
pois seu comandante era filho do lugar. Acorreram turistas, pessoas
dormiam na rua por falta de acomodação, surgiram batedores de
carteira, que foram castigados, e começou a correr o boato de que
aquele corpo metálico tinha propriedades mágicas.
Quem
chegava perto dele seria fulminado se fosse mau-caráter; conquistava
a eterna juventude, se fosse limpo de coração; e certa ardência
que se evolava da superfície convidava ao amor.
Não
se desprendeu de satélite, diziam uns; veio diretamente do céu,
emanado de uma estrela, alvitravam outros. De qualquer modo, era
dádiva especial para o lugarejo, pois ao tombar não ferira ninguém,
não partira uma telha, nem se assustaram os animais domésticos com
a sua vinda insólita.
Tudo
acabou com o misterioso desaparecimento da coisa. Seus guardas foram
tomados de letargia, e ao recobrarem a consciência viram-se
despojados do grande bem. Mas tinham assimilado esse bem, e passaram
a viver de uma alegria inefável, que ninguém poderia roubar-lhes.
Eram os privilegiados da Terra.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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