Uma
tarde, ele estava sentado na varanda, deixando a mente vaguear como
de costume, tomando um gole aqui e ali, pondo um pouquinho no pires
de Fup, quando de repente tomou consciência de que já se estava
entediando com a imortalidade. Precisava de uma tarefa, uma tarefa
que não somente desafiasse sua sabedoria, mas a ampliasse: precisava
ensinar algo que não sabia. Um aluno, felizmente, estava logo à
mão. Inclinando-se e acariciando seu pescoço liso, disse
persuasivamente:
– Fup,
acho que você devia aprender a voar. Faria milagres pela sua vida
social. Diabos, talvez você pudesse arranjar um marido ou pelo menos
dar uma escapadinha rápida nas tábuas com algum macho de cabeça
cor de esmeralda. Miúdo e eu temos falado em te arranjar um
companheiro, mas a verdade é que não tenho nada de cafetão em mim…
e, de qualquer maneira, seria um insulto pra tua boa aparência.
Fup
olhou para ele sem emitir qualquer som e, enfastiada, enfiou a cabeça
debaixo da asa.
– Poxa,
benzinho – insistiu vovô –, pense no assunto. Você podia voar
pro México, ficar planando nos ares, olhando tudo de cima e dar um
grande e belo quac!
Fup
tirou a cabeça do refúgio embaixo da asa e, numa forte voz,
decidida e sem uma ponta sequer de mofa, respondeu:
– Quac…
quac… quac – E então assoviou um pouco e deu umas pisoteadas.
Vovô Jake tomou isso como uma concordância por assédio.
Mas
não concordou de modo algum com a dieta. Miúdo só concordou com
muita relutância, observando corretamente:
– Ela
não vai gostar.
– Se
quer voar – argumentou vovô –, tem que fazer sacrifícios. Como
é que ela vai sair do chão com todo aquele peso?
– Ela
sé é grande pra idade – defendeu Miúdo. – Tudo é
proporcional.
– Miúdo,
ela não é só grande pra idade dela, meu filho; ela é enorme mesmo
para um pato maduro. Eu vi milhões deles no meu tempo, e Fup não só
um pouquinho maior, ou um tiquinho maior, ou a metade, ou o dobro:
ela é umas sete vezes o tamanho de qualquer pato dos grandes. Agora,
eu não acho que ela seja grotescamente gorda ou coisa assim. Ela é
simplesmente um pouco pesada demais pra voar, só isso. Inferno, a
gente vai continuar dando de comer pra ela, só que não tanto.
Mas
Fup queria aquele tanto, e quando não recebia ficava amuada.
Examinava as porções como se forçasse a vista para enxergar, e aí,
avistando a comida engolia tudo num frenesi de falsa gratidão, dava
as costas e cagava no prato. Continuava sua rotina diária, em parte
mantida pelas guloseimas extras que Miúdo lhe passava no trabalho,
mas fazia beiço e enlanguescia a cada oportunidade. Nas menores
oportunidades, Jake gostava de contar a qualquer um que estivesse ao
alcance de sua voz os três grandes segredos de como proceder quando
não se tem a mais vaga ideia do que se está fazendo. Esses
segredos, na ordem em que invariavelmente os listava, eram: intuição,
razão e desespero. Sua intuição como instrutor de voo o persuadiu
de que seria melhor simplesmente agarrar Fup, levá-la a um lugar
bonito e bem aberto e arremessá-la para o ar. Ele provavelmente se
surpreenderia no início, mas o instinto faria com que, sem dúvida
alguma, abrisse as asas, e desse ponto em diante ela com certeza
captaria a ideia.
Fup,
sem a menor abanada de asas, chocou-se contra a terra como um saco de
cimento, moveu-se desajeitada e fracamente uma ou duas vezes e depois
ficou quieta, deitada. “Cruz-credo, eu a matei”, pensou vovô
consigo mesmo enquanto corria até ela, mas, à sua aproximação,
ela se pôs instintivamente de pé, o bico abrindo e fechando com um
som semelhante ao de um viciado em bolinhas tocando castanholas;
mirou direto no vovô Jake e então atacou. Este, protegendo as
gônadas com as duas mãos em concha, tomou o ângulo mais agudo até
a varanda, mas não foi suficientemente rápido: Fup o atingiu como
quem passa uma rasteira proposital e rasteira, um golpe baixo e
forte. Enquanto ele se levantava, ainda tonto, xingando o solista
lunático que estava tocando os gongos em sua cabeça e pensando que
de fato andava apanhando do reino animal ultimamente, Fup deu um giro
e começou de novo. Imediatamente, e com sabedoria, vovô Jake se
rendeu.
Obviamente,
a abordagem intuitiva, se por acaso estivesse funcionando, não o
estava muito bem. Portanto, sem esforço algum, Jake mudou para a
razão e as belezas mecânicas da lógica. Não ficou nem um pouco
perturbado pelo fato de sua intuição ter dado errado: a intuição
frequentemente falhava, às vezes de modo espetacular, mas, quando
funcionava economizava tanto tempo que o espírito dava um salto
adiante… e, é claro, não havia motivo para se negar o prazer
essencialmente humano de acertar da primeira vez. A razão era a mais
fidedigna, embora lenta. Mas, também, a paciência não é
propriamente um luxo para os imortais. Há tempo de tentar até dar
certo.
Jim
Dodge, in Fup
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