Fotograma do filme Eu tu eles
O
filme é sobre o quê? Quem já teve de responder a esta pergunta
sabe como é difícil a vida dos resumidores. Titanic é sobre
um homem, uma mulher e uma pedra de gelo — entre outras coisas.
Nenhuma história é “sobre” uma coisa só. Mas vivemos
condicionados a definições instantâneas e classificações
categóricas, e eu fiquei pensando em como descrever o filme Eu tu
eles, do Andrucha Waddington numa frase.
É
uma simpática comédia de costumes pitorescos, e não é. Não tem
um desenrolar de comédia. Como o Assédio do Bertolucci, é
menos um enredo do que uma situação. E como no caso do filme do
Bertolucci, isso só aumenta o seu valor. Um filme bem-sucedido feito
de uma situação só é um pouco como aquelas construções de som
do Miles Davis em cima de um tema de três ou quatro notas, na sua
fase “modal”. Mas o filme também não é “sobre” uma mulher
que vive com três homens, e variações em cima do tema.
Acho
que Eu tu eles é um filme sobre a gentileza. Por isso é tão
bonito. Não é uma falsificação do Nordeste como estão dizendo,
sua beleza não está na exploração do exotismo fotogênico para
exportação, mas na maneira como mostra a persistência, naquela
paisagem, da consideração humana. Por isso, em vez de catinga
light, é um dos filmes mais realistas já feitos sobre o
brasileiro, pois certamente a questão mais real do Brasil que ele
retrata é a resistência da simples bondade neste abandono. Também
não se trata de um elogio sentimental da resignação ou da
ingenuidade “pura” dos pobres. A personagem da Regina Casé é
tudo menos uma ingênua. É uma sobrevivente com todas as cicatrizes
da resistência, mas tem a compaixão dos seus homens e dos seus
filhos que a vida e a sua terra não tiveram dela — além de
malícia e tesão. Ajuda que a Regina Casé tenha na cara essa
humanidade brasileira toda, essa decência teimosa que tentam,
tentam, mas ainda não conseguiram destruir.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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