Nem
sei durante quantos anos deixei de ver Júlia, a mulher que eu mais
amei na minha vida. Sei sim: dez anos.
Conheci
intimamente muitas mulheres, gostei de algumas, mas o sentimento que
nutri por elas não se comparava ao que senti por Júlia, tanto que
mal me lembro de todas as outras, enquanto a voz, a maneira de andar,
os olhos, a boca, os cabelos, o pescoço, os braços, as pernas, as
mãos, os pés de Júlia estão gravados para sempre na minha mente,
no meu coração, na minha carne.
Ela
era conhecida como Juju.
Eu
cantava para ela: “Juju, Juju...”
Ela
respondia:
“O
que é, meu balangandã?”
Eu
continuava:
“Aqui
estou eu, aí estás tu, minha Juju...”
“Meu
balangandã”, ela respondia.
E
cantávamos em dueto a canção toda. Uma canção popular boba, mas
as pessoas que se amam são sempre tolas.
E
eu era um palerma. Nem sabia o que era balangandã. Hoje eu sei, fui
ver no dicionário.
BALANGANDÃ.
Ornamento de metal em forma de figa, fruto, animal etc., que, preso a
outros, forma uma penca e é usado pelas baianas em dias de festa;
serve também como objeto decorativo, lembrança ou, se
miniaturizada, joia ou bijuteria; berenguendém. No passado era usado
especialmente na festa do Senhor do Bonfim, em Salvador, pendente da
cintura ou do pescoço das afro-brasileiras, e constituía amuleto
contra o mau-olhado e outras forças adversas.
Um
dia recebi um telefonema.
“Rafa?
Sabe quem está falando?”
Meu
coração disparou.
“Juju!”,
exclamei, quase gritando.
“Como
descobriu? Há dez anos que não nos falamos.”
“Jamais
esqueci sua voz, jamais você saiu do meu pensamento.”
“Eu
fiquei muito triste quando você não quis casar comigo.”
“Eu
era muito pobre e você muito rica. E além disso você foi viajar.”
“Meus
pais se mudaram para Paris, eles tinham propriedade na França. Mas
eu lhe dei o meu endereço, pedi que me visitasse.”
“Eu
não tinha dinheiro para isso. E não tive coragem de dizer. Eu tinha
vergonha de ser pobre.”
Durante
um curto momento ambos ficamos calados.
“Você
se casou?”
“Não”,
respondi.
“Eu
me casei. E me separei um ano depois. Eu não gostava dele. Eu queria
me casar era com você... Vamos nos encontrar? Estou morrendo de
saudades.”
“Eu
também. Não parei de pensar em você um minuto durante esses anos
todos.”
Marcamos
o encontro.
Fiquei
um tempo enorme no espelho me vestindo.
Então
constatei uma coisa horrível. Durante os últimos dez anos eu, que
era elegante, esbelto, bonito, me tornara um sujeito gordo e
barrigudo. Não, eu não podia me encontrar com Juju. Quando me visse
ela ficaria horrorizada, até mesmo enojada com a minha obesidade.
Porém,
eu queria ver a minha Juju desesperadamente.
Fiquei
ansioso esperando a chegada de Juju. Como sempre, as mulheres se
atrasam.
Afinal
ela chegou. Fiquei horrorizado, senti vontade de morrer. Juju se
transformara (ou seria mais correto dizer se transtornara?) numa
mulher gorda, muito gorda. Inesperadamente deixei de sentir amor por
ela.
Mas
logo fui dominado por um pensamento redentor. Gorda como estava, Juju
não se incomodaria com minha obesidade. Então, que maravilha,
voltei a amá-la como antes.
Puxei
a cadeira para ela sentar.
Sentada,
Juju olhou para mim.
“Você
engordou muito”, ela disse.
Pude
ver nos seus olhos um sentimento de desdém, pior, de repulsa.
Rubem
Fonseca, in Histórias curtas
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