Cada
ponto da história é um cruzamento. Uma única estrada percorrida
leva do passado ao presente, mas uma série de caminhos se bifurca em
direção ao futuro. Alguns desses caminhos são mais largos, mais
planos e mais bem sinalizados, e, por isso, há uma chance maior de
que sejam seguidos. Mas às vezes a história – ou as pessoas que
fazem a história – dão voltas inesperadas.
No
início do século IV, o Império Romano se viu diante de um amplo
horizonte de possibilidades religiosas. Poderia ter se atido a seu
tradicional e diversificado politeísmo. Mas seu imperador,
Constantino, rememorando um século de guerras civis incontroláveis,
parece ter pensado que uma única religião, com uma doutrina clara,
poderia ajudar a unificar seu domínio etnicamente diverso. Ele
poderia ter escolhido qualquer um entre vários cultos da época como
o credo de sua nação – o maniqueísmo, o mitraísmo, os cultos a
Ísis ou Cibele, o zoroastrismo, o judaísmo e até mesmo o budismo
eram opções disponíveis. Por que ele optou por Jesus? Havia algo
na teologia cristã que o atraía pessoalmente, ou talvez um aspecto
da fé que o fez pensar que seria mais facilmente aplicável a seus
propósitos? Ele teve uma experiência religiosa, ou algum de seus
conselheiros sugeriu que os cristãos estavam ganhando devotos
rapidamente e que o melhor seria aproveitar esse embalo? Os
historiadores podem especular, mas não podem fornecer uma resposta
definitiva. Podem descrever como o cristianismo tomou conta do
Império Romano, mas não podem explicar por que essa possibilidade
em particular se concretizou.
Qual
a diferença entre descrever “como” e explicar o “porquê”?
Descrever “como” significa reconstruir a série de acontecimentos
específicos que levaram de um ponto a outro. Explicar o “porquê”
significa encontrar conexões causais que esclareçam a ocorrência
dessa série específica de acontecimentos em detrimento de todas as
outras.
Alguns
estudiosos fornecem, de fato, explicações deterministas para
acontecimentos como a ascensão do cristianismo. Eles tentam reduzir
a história humana à ação de forças biológicas, ecológicas e
econômicas. Argumentam que havia algo na geografia, na genética ou
na economia do Império Romano no Mediterrâneo que tornou inevitável
a ascensão de uma religião monoteísta. Mas a maioria dos
historiadores tende a ser cética com relação a tais teorias
deterministas. Essa é uma das marcas características da história
como disciplina acadêmica – quanto melhor se conhece um
determinado período histórico, mais difícil se torna explicar por
que as coisas aconteceram de um jeito, e não de outro. Aqueles que
têm um conhecimento apenas superficial de um certo período tendem a
se concentrar apenas na possibilidade que realmente ocorreu. Eles
fornecem um relato exato para explicar, em retrospectiva, por que um
determinado resultado era inevitável. Aqueles que têm um
conhecimento mais profundo do período são muito mais conscientes
das estradas não percorridas.
Na
verdade, as pessoas que conheciam melhor o período – as que
viveram naquela época – eram as mais desavisadas de todas. Para um
típico romano da época de Constantino, o futuro era uma névoa. É
uma regra implacável da história que o que parece inevitável em
retrospectiva está longe de ter sido óbvio na época. Hoje não é
diferente. Saímos da crise econômica global ou o pior ainda está
por vir? A China continuará crescendo até se tornar a principal
superpotência? Os Estados Unidos perderão sua hegemonia? O aumento
do fundamentalismo monoteísta é a onda do futuro ou um redemoinho
local de pouca importância no longo prazo? Estamos caminhando para
um desastre ecológico ou para um paraíso tecnológico? Bons
argumentos podem ser apresentados para corroborar qualquer um desses
desfechos, mas não há como saber com certeza. Em algumas décadas,
as pessoas vão olhar para trás e pensar que as respostas para todas
essas perguntas eram óbvias.
É
particularmente importante enfatizar que possibilidades que parecem
muito improváveis para os contemporâneos muitas vezes se
concretizam. Quando Constantino assumiu o trono, em 306, o
cristianismo não passava de uma seita oriental esotérica. Se alguém
sugerisse que ele viria a ser a religião oficial de Roma, seria
expulso da sala às gargalhadas, da mesma forma que aconteceria hoje
com alguém que sugerisse que, por volta de 2050, Hare Krishna será
a religião oficial dos Estados Unidos. Em outubro de 1913, os
bolcheviques eram uma pequena facção radical russa. Nenhuma pessoa
racional teria previsto que, em apenas quatro anos, eles dominariam o
país. Em 600, a noção de que um bando de árabes que habitavam o
deserto logo conquistaria uma extensa faixa do oceano Atlântico até
a Índia era ainda mais absurda. De fato, se o exército bizantino
tivesse conseguido evitar o ataque inicial, o islamismo provavelmente
continuaria sendo um culto obscuro, conhecido apenas por um punhado
de iniciados. Os estudiosos teriam, então, a tarefa muito fácil de
explicar por que uma fé baseada em uma revelação feita a um
mercador de meia-idade de Meca nunca poderia ir para a frente.
Isso
não quer dizer que tudo é possível. Forças geográficas,
biológicas e econômicas criam restrições. Mas, ainda assim, essas
restrições deixam muito espaço para desdobramentos inesperados,
que não parecem ter ligação com qualquer lei determinista.
Essa
conclusão decepciona muita gente que prefere que a história seja
determinista. O determinismo é atraente porque implica que nosso
mundo e nossas crenças são um produto natural e inevitável da
história. É natural e inevitável que vivamos em Estados-nação,
organizemos nossa economia com base em princípios capitalistas e
acreditemos fervorosamente em direitos humanos. Reconhecer que a
história não é determinista é reconhecer que não passa de uma
coincidência o fato de que a maioria das pessoas, hoje em dia,
acredita em nacionalismo, capitalismo e direitos humanos.
A
história não pode ser explicada de forma determinista e não pode
ser prevista porque é caótica. Tantas forças estão em ação, e
suas interações são tão complexas, que variações extremamente
pequenas na intensidade dessas forças e na maneira com que interagem
produzem diferenças gigantescas no resultado. E não é só isso: a
história é o que chamamos de sistema caótico “nível 2”. Os
sistemas caóticos podem ter duas formas. O caos nível 1 é o caos
que não reage a previsões a seu respeito. O clima, por exemplo, é
um sistema caótico nível 1. Embora seja influenciado por uma série
de fatores, é possível criar modelos computadorizados que levem em
consideração um número cada vez maior desses fatores e produzam
previsões do tempo cada vez melhores.
O
caos nível 2 é o caos que reage a previsões a seu respeito e, por
isso, nunca pode ser previsto com precisão. Os mercados, por
exemplo, são um sistema caótico nível 2. O que vai acontecer se
desenvolvermos um programa de computador que preveja com 100% de
exatidão o preço do petróleo amanhã? O preço do petróleo vai
reagir imediatamente à previsão que, consequentemente, não vai se
concretizar. Se o preço atual do petróleo é 90 dólares o barril,
e o programa de computador infalível prevê que amanhã será 100
dólares, os comerciantes vão correr para comprar petróleo, de modo
que possam lucrar com a alta de preço prevista. Como resultado, o
preço vai subir para 100 dólares o barril hoje, e não amanhã.
Então, o que vai acontecer amanhã? Ninguém sabe.
A
política também é um sistema caótico de segunda ordem. Muitas
pessoas criticam os especialistas em assuntos da antiga União
Soviética por não terem previsto as revoluções de 1989 e castigam
especialistas em Oriente Médio por não terem antecipado as
revoluções da Primavera Árabe de 2011. Isso é injusto. Revoluções
são, por definição, imprevisíveis. Uma revolução previsível
nunca irrompe.
Por
que não? Imagine que, em 2010, algum cientista político genial, em
conluio com um mago da computação, tivesse desenvolvido um
algoritmo infalível que, incorporado a uma interface atraente,
pudesse ser comercializado como um indicador de revolução. Eles
oferecem seus serviços ao então presidente do Egito, Hosni Mubarak,
e, em troca de um generoso pagamento, dizem a ele que, segundo as
previsões, uma revolução certamente irromperia no Egito no decurso
do ano seguinte. Como Mubarak reagiria? Muito provavelmente,
reduziria os impostos de imediato, distribuiria milhões de dólares
para os cidadãos – e também reforçaria a polícia secreta, só
por via das dúvidas. As medidas preventivas funcionam. O ano passa
e, surpresa, não há revolução. Mubarak exige seu dinheiro de
volta. “Seu algoritmo é inútil!”, ele grita para os cientistas.
“No fim, eu poderia ter construído outro palácio em vez de
distribuir todo aquele dinheiro!” “Mas a revolução não
aconteceu justamente porque a previmos”, dizem os cientistas em sua
defesa. “Profetas que preveem coisas que não acontecem?”,
observa Mubarak enquanto faz sinal para que os guardas os prendam.
“Eu poderia conseguir uma dezena deles por um preço irrisório no
mercado do Cairo.”
Sendo
assim, por que estudar história? Diferente de física ou economia, a
história não é um meio de fazer previsões exatas. Estudamos
história não para conhecer o futuro, e sim para ampliar nossos
horizontes, entender que nossa situação presente não é natural
nem inevitável e que, consequentemente, existem mais possibilidades
diante de nós do que imaginamos. Por exemplo, estudar como os
europeus dominaram a África nos permite entender que não existe
nada de natural ou inevitável na hierarquia racial e que o mundo
poderia muito bem ser organizado de outra forma.
Yuval
Noah Harari, in
Sapiens:
Uma Breve História da Humanidade
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