A
pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado
de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem
deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.
Vivemos
hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de
riqueza. Criou-se a ideia de que o estatuto do cidadão nasce dos
sinais que o diferenciam dos mais pobres.
Recordo-me
que certa vez entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o
vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase lhe deu um
ataque. “Mas esse, senhor Mia?! Ora, o senhor necessita de uma
viatura compatível.” O termo é curioso: “compatível”.
“Compatível com o quê?”, pergunto eu.
Estamos
vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é
não um objeto funcional. É um passaporte para um estatuto de
importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo
de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão
promocional.
Esta
doença, esta religião que se podia chamar “viaturalatria”
atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que
não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos
modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão
vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.
É
urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade
como valores positivos. A arrogância e o exibicionismo não são,
como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana
do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo.
Mia
Couto, in Os sete sapatos sujos (Oração de Sapiência no
ISCTEM, Maputo, 2006)
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