— Um
cafezinho.
— Essa
não.
— Não
o quê?
— Essa
nota de índio.
— Que
que tem o índio?
— Essa
eu não aceito.
— O
senhor tem alguma coisa contra o índio? Contra a jangada? Contra a
vitória-régia?
— Moço,
tem gente esperando para comprar ficha. Não posso ficar conversando
à toa.
— À
toa como? Então o senhor recusa uma cédula emitida pela Casa da
Moeda, eu lhe pergunto a razão por que recusa, e o senhor me diz que
não pode conversar? Tem que conversar, essa é boa. Me diga por que
não aceita uma nota do Brasil — não estamos no Brasil?
— Estamos.
— Então?
— Então
o quê?
— Então
dinheiro brasileiro vale ou não vale?
— Claro
que vale. Mas as notas de cinco cruzeiros, com cara de índio, estão
sendo falsificadas, eu não sou dono desta joça e não quero receber
dinheiro falso, tá bom?
— O
que que o senhor está me dizendo? Repita.
— Não
repito.
— Repita,
se é capaz.
— Sou
capaz mas não sou relógio de repetição.
— Repita
que sou moedeiro falso.
— Eu
não disse isso, mas se o senhor diz que é…
— Eu
disse que sou? Repita que eu disse que sou.
— Ai
ai ai. Assim não vale. O senhor está me baralhando a cabeça. O que
eu disse foi que tem notas falsificadas, então não tem?
— E
esta é falsa?
— Eu
é que sei?
— Se
não sabe, como recusa minha nota? É porque desconfiou de mim. O
senhor me conhece? De onde? Tenho pinta de vigarista?
— Não
conheço nem quero ter o prazer de conhecer. Não sei se tem pinta
disso ou daquilo. Sei que não aceito sua nota, e pronto.
— Tem
que aceitar. (Vozes na fila: Chega! Chega! Para com isso!)
— Viu?
O senhor está empatando o movimento do café.
— Empatando
está o senhor, mas é a circulação do papel-moeda no Brasil. Anda,
me dá a fichinha.
— Então
me dá uma nota de outra qualidade.
— Dou,
mas vamos fazer o seguinte: a outra fica em depósito. (Voltando-se
para trás.) Os senhores são testemunhas. Vou pagar dez cruzeiros
por um cafezinho. É o preço da eterna vigilância. Pago até cem
cruzeiros, se for preciso. Até mil. Mas esta nota de índio ele tem
de receber, levar à Casa da Moeda, perguntar se ela é falsa —
falsa coisa nenhuma, estão vendo? —, trazer um certificado e me
pedir desculpa. O dinheiro fica em depósito. Depois eu dou para a
abbr.
(Sensação
na fila. Chega um menino.)
— Moço,
deixa eu espiar a nota.
— Olhe
bem, garoto. Para você aprender a lutar pelas instituições.
— O
senhor viu o que está escrito aqui?
— Não.
O quê?
— Está
escrito: fac-símile. É nota de propaganda comercial, o senhor não
vê que está na cara?
— Ô
diabo, como é que eu não reparei!
Carlos
Drummond de Andrade, in A bolsa & a vida
Nenhum comentário:
Postar um comentário