Pretendeu-se
ver nesse quadro uma caçada de elefantes, um mapa da Rússia, a
constelação da Lira, o retrato de um papa disfarçado de Henrique
VIII, um temporal no mar dos Sargaços ou esse pólipo dourado que
cresce nas latitudes de Java e que, sob a influência do limão,
espirra ligeiramente e perece com um pequeno sopro.
Cada
uma dessas interpretações é exata em relação à configuração
geral do quadro, tanto se o observarmos na ordem em que está
dependurado, como de cabeça para baixo ou de lado. As diferenças
são redutíveis a detalhes; resta o centro que é OURO, o número
SETE, a OSTRA visível nas partes chapéu-corda, com a PÉROLA-cabeça
(centro do qual irradiam as pérolas do traje ou país central) e o
GRITO geral absolutamente verde que brota do conjunto.
Faça-se
a simples experiência de viajar até Roma e encostar a mão no
coração do rei, e compreender-se-á a gênese do mar. Menos difícil
ainda é aproximar-lhe uma vela acesa à altura dos olhos; então, se
perceberá que aquilo não é um rosto e que a lua, enceguecida de
simultaneidade, corre por um fundo de rodinhas e almofadas
transparentes, decapitada na lembrança das hagiografias. Não erra
quem vê nessa petrificação tempestuosa um combate de leopardos.
Mas há também lentas adagas de marfim, pajens que se consomem de
tédio em longas galerias e um diálogo sinuoso entre a lepra e as
alabardas. O reino do homem é uma página de história, mas ele não
sabe e brinca displicentemente com luvas e pequenos cervos. Este
homem que está olhando você volta do inferno; afaste-se do quadro e
o verá sorrir pouco a pouco, porque ele é oco, está recheado de
ar, umas mãos secas o sustentam por trás, como uma figura do
baralho quando começa a se erguer o castelo e tudo treme. E seu
ensinamento é este: “Não há terceira dimensão, a terra é
plana, o homem rasteja. Aleluia!” Talvez seja o diabo quem diz
essas coisas, e talvez você acredite nelas porque quem as diz é um
rei.
Julio
Cortázar,
in Histórias de Cronópios e de Famas
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