segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O vício

O vício arrecada sobre a atividade do ocioso quatro espécies de impostos: a perda do tempo, a perda do estímulo, a perda da saúde e a perda do dinheiro. A importância desse quádruplo desfalque poderia ser precisamente computada em algarismos por quem se propusesse a sindicar, pelo sistema das monografias empregado hoje nos inquéritos sociais, a voracidade do parasita multiforme comparando, no orçamento do jogador, ou do dissoluto, o quinhão da família com o das suas abjetas rivais: a batota, a mancebia, a crápula, a taverna.
Uma inexorável maldição lhes mirra a atividade, definhando-lhes os recursos para os deveres mais sagrados. Tudo em torno deles acusa a esterilidade das coisas precitas: o traje é descuidado, a casa nua, o pão raro, servil a condição da esposa, a instrução dos filhos grosseira, as dívidas a monte, frequentes os desaires, as privações infinitas, o cálice da vida azedo, odioso, incomportável. Mas, se pudésseis contar as horas e as somas continuamente absorvidas pela madraçaria viciosa aos chefes dessas colônias de infelizes, verificaríeis que esses prejuízos representam verdadeiras riquezas, opulências incalculáveis, que a providência e o trabalho teriam multiplicado, mas as dissipações criminosas extraviam e devoram.
Rui Barbosa, in Antologia

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