O
México daquele tempo era mais pistolista do que pistoleiro. Havia um
culto ao revólver, um fetichismo da “quarenta e cinco”. As
grandes pistolas reluziam constantemente. Os candidatos a
parlamentares e os jornais iniciavam campanhas de “despistolização”
mas logo compreendiam que era mais fácil extrair um dente de um
mexicano do que sua queridíssima arma de fogo.
Certa
vez os poetas me homenagearam com um passeio numa barca florida. No
lago de Xochimilco juntaram-se quinze ou vinte bardos que me fizeram
navegar entre as águas e as flores pelos canais e anfractuosidades
daquele estuário destinado a passeios florais desde o tempo dos
astecas. A embarcação vai decorada com flores por todos os lados,
transbordante de pessoas e cores esplêndidas. As mãos dos
mexicanos, como as dos chineses, são incapazes de criar algo feio,
seja em pedra, em prata, em barro ou em cravos.
O
certo é que um daqueles poetas empenhou-se durante a travessia,
depois de numerosas tequilas e para me render uma deferente
homenagem, em que eu disparasse para o céu com sua bela pistola, que
no cabo ostentava incrustações de prata e ouro. Em seguida o colega
mais próximo tirou rapidamente a sua de uma cartucheira e, levado
pelo entusiasmo, empurrou para o lado a do primeiro ofertante,
convidando-me a fazer os disparos com a arma de sua propriedade. Ao
alvoroço acudiram os demais rapsodos, cada um sacou com decisão sua
pistola, e todos levantaram-nas ao redor de minha cabeça para que eu
elegesse a sua e não a dos outros. Aquele pálio inseguro de
pistolas, que se cruzavam diante do meu nariz ou me passavam debaixo
dos sovacos, tornava-se cada vez mais ameaçador até que me ocorreu
tomar de um grande sombrero típico e recolhê-las todas em seu bojo
depois de pedi-las ao batalhão de poetas em nome da poesia e da paz.
Todos obedeceram e desse modo consegui confiscar-lhes as armas por
vários dias, guardando-as em minha casa. Acho que fui o único poeta
em cuja honra se compôs uma antologia de pistolas.
Pablo
Neruda, in Confesso que vivi
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