quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Estou cansado

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.

De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.

A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.

Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…

E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente: eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

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